Tenho controle sobre minha vida, faço tudo que quiser #SQN

Talvez uma das abstrações mais falsas na qual acreditamos seja a do Livre Arbítrio, de que temos a liberdade de fazermos o que quisermos. A verdade é que qualquer pessoas em sã consciência sabe que não pode fazer o que quiser. Desde o momentos que nascemos começamos a aprender que não podemos fazer tudo o que queremos. Aqui vão alguns exemplos: Quando somos pequenos escutamos com frequência: esse bebê não para de chorar? Ao crescermos um pouco escutamos: pare de fazer isso, está incomodando os outros. Daí crescemos um pouco e quando encontramos outras pessoas nossos pais dizem: já cumprimentou o fulano, seja educado (eu odiava chegar nas festas e ter que cumprimentar todas as pessoas). Os exemplos continuam, chegamos próximo de escolher uma Faculdade e escutamos: não faz esse curso não, não dá futuro! E se dermos um salto para quando casamos e temos filhos não preciso dizer que deixamos de ter vida própria em definitivo e passamos a decidir tudo em função do filho e da esposa 🙂

Bom, os exemplos acima são só uma ilustração do que estou querendo dizer porque existem controles que são ainda mais críticos para as nossas vidas: cultura, religião e governo nos impõe restrições que chegam a fazer mal às nossas saúdes. Veja, Freud colocava no início do século XIX que uma parte da ansiedade das pessoas se dava por conta dos valores e controles impostos pela sociedade Europeia daquela época.

Hoje em dia esse controle é ainda mais pesado e pior, muitas das vezes não somos capazes de perceber. No livro Nudge, os autores Thaler e Sustein colocam uma série de exemplos de como governos e empresas controlam comportamentos de pessoas através de pequenos sinais. Estes sinais fazem com que tomemos decisões e nos comportemos de acordo com algo desejado por eles. Um exemplo clássico é quando queremos testar um serviço (normalmente digital hoje em dia) e temos que colocar nosso cartão de crédito. Ao fazermos vemos a seguinte mensagem: se não quiser mais o serviço volte aqui e cancele, de outra forma, será cobrado. Quantas vezes você já contratou um serviço e depois ficou: puxa, preciso lembrar de cancelar aquele troço, ja peguei 3 meses e não uso.

Outro exemplo interessante é das redes de academia de ginástica quando eles colocam aqueles planos de 6 ou 12 meses. Pagamos 1 mês e depois não vamos mais (estas redes de academia só dão certo com o preço que cobram porque mais de 75% que paga não frequenta — se cobro R$ 100 de cada assinante, tenho, na verdade, R$ 400 de receita de cada frequentador). Só que ficamos com aquela sensação mista, estou pagando academia e não estou indo. Mas se eu deixar de pagar me sinto ainda pior porque daí sei que não estou me cuidando, nem fazendo o esforço inicial para pagar e (talvez) ir. É uma forma de controle que ataca justo quem mais precisa de ajuda, é cruel.

Um último exemplo que queria colocar é o do controle social, aquele em que nos propomos a fazer algo de forma que “possamos” estar inseridos e alinhados com um contexto social. Algo do tipo: quero ter dois carros importados porque meus amigos todos têm, mas para isso preciso trabalhar mais e ficar menos com minha família, fazer menos exercício e nunca tenho tempo de estudar. Ficamos presos e controlados por um ciclo vicioso imposto pelo contexto social que vivemos. Hoje com as redes sociais isso ficou ainda mais complexo. Quantas pessoas você conhece que posta vidas perfeitas no Instagram e Facebook? O lance é que todos sabem que a vida destas pessoas é zoada… Mesmo assim, estas pessoas sujeitas ao controle social seguem presas a um comportamento pouco saudável.

O lance em relação à liberdade, ou melhor, ao controle que estamos sujeitos é talvez aceitar. Tendo dado o primeiro passo de aceitar que não somos livres de verdade, podemos tentar cuidar para evitar os tipos de controle que dependem da gente, de nossos comportamentos.

Para finalizar, existe um outro lado dessa discussão que é: muitos de nós queremos ter a liberdade mas gostamos mesmo é de ser controlados. Sobre isso vamos falar em outra oportunidade…

Não queremos ouvir a verdade!

Você está em um relacionamento estável faz muito tempo. Vive a vida perfeita, tem sua casa confortável, dois carros importados na garagem e viaja frequentemente. Conseguiu tudo isso com o seu companheiro, os dois somaram e construíram essa vida juntos. Você não sabe, mas seu companheiro possui outro relacionamento faz algum tempo. Você gostaria de saber que ele tem esse relacionamento fora colocando tudo que construíram em risco, ou prefere ficar na ignorância?

Você tem um cargo de executivo em uma empresa grande. Seu dia a dia é super atribulado, você está sempre apagando incêndios, com pouco tempo para pensar em como evoluir seu negócio. Na interação com alguns pares, começa a perceber que tem muito mais coisa de errado na sua área. Você passa a observar o comportamento das pessoas e começa a ter certeza de que a quantidade de problema é cinco vezes maior do que você já tem que gerenciar. Você vai a fundo para escavar e tentar resolver os novos problemas ou fica esperando a merda bater no ventilador para fazer alguma coisa?

Duas situações reais, que diversas pessoas encontram com frequência. Situações com contextos parecidos são parte das nossas vidas e é normal que de frente à estas situações, não façamos nada, não encaremos a verdade. Isso é da natureza humana, ocorre com a maioria das pessoas (provavelmente já aconteceu com você que está lendo esse texto) por uma série de razões.

O Psicólogo Americano Carl Rogers dizia que quando experimentamos algo que está “desalinhado” com o que ele chamou de autoconceito (algo semelhante ao que conhecemos como visão de mundo), nós distorcemos ou negamos à realidade como mecanismo de defesa. Para ele, as pessoas que não conseguem lidar com estas situações enfrentam obstáculos à saúde psicológica através de sentimentos de ansiedade e ameaça.

Talvez uma das primeiras descrições de negação da verdade tenhamos visto no Mito da Caverna de Platão. Para quem não conhece, basicamente o negócio se desenrola da seguinte forma: Imagine que você tenha sido criado preso dentro de uma caverna. Tudo o que você consegue ver é a projeção da luz da entrada da caverna em uma parede na sua frente. Você vê apenas sombras de animais, de árvores, etc. Outras pessoas foram criadas da mesma forma com você. Um dia você se solta e sai da caverna. Quando vê o mundo como ele é se encanta e volta para dizer para o pessoal da caverna: “Pessoal, vou soltar vocês para verem o mundo maravilhoso lá fora”. As pessoas que escutam dizem: “Mundo lá fora? o que conhecemos é isso aqui, não queremos sair, não queremos ver nada diferente do que já vemos”.

Uma outra negação está na forma como podemos interpretar a passagem da Maça do pecado no antigo testamento. A interpretação tradicional, que aprendemos na educação Cristã diz que a Eva pecou ao aceitar a maçã da Serpente. No livro O Mal, Como Explicá-lo? a autora Maria Soares apresenta uma visão diferente, onde a serpente é Deus que oferece a maçã como fonte de conhecimento à Eva. Parece que a Eva tomou a pílula vermelha e todos passamos a negar isso desde sempre…

Enfim, estes comportamentos de distorção ou negação surgem, como disse Rogers, por conta dos sentimentos que manifestamos quando não conseguimos lidar com as verdades, sentimentos de ansiedade e ameaça originados por reações fisiológicas que ocorrem em nossos corpos. Frio na barriga, ânsia de vômito, suor excessivo, coração acelerado, etc. Ao negarmos e distorcermos as verdades, queremos no fundo evitar estas reações desconfortáveis.

Muitas, muitas vezes não temos controle sobre o mundo. As coisas são como são. Vamos tomar a pílula vermelha com a coragem da Eva, ou vamos seguir evitando e distorcendo tudo que aparece de difícil na nossa frente? Eu, particularmente, gosto da visão do psicólogo Húngaro Mihaly Csikszentmihalyi. No livro Flow, ele mostra que existem formas positivas e agradáveis (que desperte sensações boas em nossos corpos) de encarar as mais duras situações.