O que você tem a perder?

A resposta a esta pergunta, segundo o que muitos de nós pensamos na maioria das vezes é: TUDO! Achar que temos muito ou tudo a perder quando tomamos uma decisão é algo comum e isso está relacionado a alguns mecanismos nossos sob os quais vamos falar nessa conversa.

Mas por que pensamos assim? O que nos faz pensar e agir de forma que achemos que nossa vida se limita a coisas que já fazemos ou temos? Dentre vários aspectos que podem influenciar essa maneira de pensar e agir, quero falar especialmente de duas: nosso apego ao que temos e o sentimento de arrependimento.

Vamos fazer um pequeno experimento: abra o seu armário, veja todas as roupas que você tem. Agora separe em três grupos: 1) as que você usa com frequência; 2) as que você usa pouco e; 3) as que você não usa. Depois que você separar, vai provavelmente notar que no grupo 1 tem pouca roupa, no grupo 2 tem um pouco mais e no 3 tem um bocado de roupa. Ora, se você não usa a maioria das roupas que tem, por que ainda guardar?

Esse apego que descobrimos no experimento é uma das razões pela qual achamos que temos muito a perder quando nos deparamos com uma decisão. Nos apegamos a rotina de vida que levamos, ao trabalho/profissão que desempenhamos, aos relacionamentos que nos cercam, mesmo quando estas coisas não nos fazem bem. Uma parte desse apego está relacionada ao fato de que nos fechamos para o mundo ao nosso redor. Lembram do mito da caverna de Platão que falamos em um dos primeiros artigos aqui? Poisé… Estudando um pouco do mecanismo de funcionamento do nosso cérebro descobri que ao nos fecharmos para coisas novas, nós, de certa forma, encurtamos o nosso cérebro, fazemos ele diminuir de capacidade.

O sentimento de arrependimento é uma outra face desse pensamento de perda quando nos deparamos com uma decisão. Existem experimentos super interessantes que demonstram a influência do sentimento de arrependimento em uma decisão, mas o que mais me chama atenção é a lógica de fazer frente ao não fazer. Explico… eu sempre achei que se arrepender por algo que fiz é melhor do que por algo que deixei de fazer. Poisé, acontece que na cabeça da maioria das pessoas, é o contrário. As pessoas se sentem mais confortáveis em se arrepender por algo que deixaram de fazer do que por algo que fizeram. Elas preferem pensar “ainda bem que não tomei tal decisão” do que “não deveria ter tomado essa decisão”.

O que acontece aqui com esse mecanismo de “proteção” é que ele nos impede de crescer, de nos construir pessoas melhores e mais preparadas para a adversidade. A decisão de ir para algo novo ajuda no que os neurocientistas chamam de neuroplasticidade, capacidade que o nosso cérebro tem de criar novas conexões ou reforçar as existentes. Cada vez que saímos da zona de conforto e nos jogamos e uma experiência nova, ajudamos nosso cérebro e ficar mais forte. Ao invés de nos arrependermos de uma decisão, deveríamos olhar para ela de dizer: o que aprendi com esse movimento? Deveríamos contemplar o aprendizado e não remoer o que deu errado. Sempre tem algo positivo na mudança.

Eu acredito muito na ideia de que a nossa construção pela educação e experiência é quem molda a forma como vemos o mundo. Se estamos achando que temos sempre muito a perder com as decisões que tomamos, estamos na verdade perdendo uma grande oportunidade de construção. Não, não temos nada a perder com a mudança, sempre ganhamos. Não devemos jogar tudo o que construímos para o ar, mas precisamos estar abertos a considerar as possibilidades de mudança e aprender com elas. Experimente começar indo para o trabalho pegando um caminho diferente ou simplesmente abra mão das roupas que não usa em seu armário…

Sua cabeça não é confiável!

Uma das coisas que mais me amarro em aprender sobre o nosso comportamento é a sua relação com a fisiologia do nosso corpo. Muitas vezes nos comportamos de certa maneira em função da produção de uma determinada substância que manda sinais para que o nosso encéfalo execute certas ações.

Você já ouviu falar da Leptina? Então, a leptina regula apetite e o comportamento alimentar, gerencia o gasto energético e coordena a capacidade reprodutiva. Alguns estudos científicos mostram que a secreção de leptina está relacionada a produção de insulina no nosso corpo, e vice-versa, além de diversos outros fatores como a presença ou ausência de glucose no organismo. Onde eu quero chegar aqui? É provável que, algumas vezes, o comportamento de comer que você tem seja causado por uma falsa sensação de fome criada pela resistência ou deficiência/ausência de leptina em seu corpo. Então, se a sensação de fome na nossa cabeça é coordenada pela leptina, melhor nem sempre confiar no que ela manda você fazer.

 Como falei, estudos científicos mostram que a secreção de leptina no nosso organismo depende de vários fatores. Um dos mecanismos funciona da seguinte forma. Vamos supor que você esteja sentindo fome e resolva comer um chocolate. Você mete uma bomba de açúcar para dentro e o seu corpo passa a produzir insulina desesperadamente para tentar metabolizar o açúcar que entra. Acontece que essa insulina toda produzida aumenta a secreção da leptina. Enquanto estamos saudáveis esse processo funciona bem. O lance é que quando esse processo se repete muito criamos resistência a insulina e a leptina. A falta de sensibilidade a leptina reduz a velocidade do seu metabolismo e manda um sinal para o seu hipotálamo de sensação de fome. Nessa situação, quando come, você não se sente saciado, passando a comer mais sem estar realmente com fome.

Estamos cansados de saber que o funcionamento do nosso corpo, como organismo, depende em grande parte do nosso comportamento. Sabemos que manter hábitos saudáveis nos ajuda evitar diversos problemas de saúde e acabamos de ver um exemplo de como nossa cabeça pode passar a pensar errado em função de um comportamento inapropriado. Veja, a ideia desse artigo não é lhe ajudar a emagrecer. A pílula vermelha aqui é mostrar que a nossa cabeça não reage da forma que esperamos em todas as situações. Algumas vezes ela reage de forma instintiva, onde esse instinto pode vir de uma reação fisiológica do corpo. Salvo engano, foi o filósofo René Descartes quem disse que não devemos confiar em nossos sentidos. Parece que ele estava certo…

Louco, né? Agora imagine quantos outros comportamentos eventualmente temos que são causados por essas substâncias que giram em nosso corpo?

Motivação versus obsessão

Tenho refletido ultimamente sobre a ideia de motivação e comecei a me questionar se é algo que faz sentido para a gente quando buscamos a nossa construção, nosso crescimento como pessoas. Coincidentemente, ao mesmo tempo que passei a me questionar sobre isso, iniciei a leitura do livro do David Goggins chamado Can’t Hurt Me. Eis que me deparo com aquela situação da tempestade perfeita para me fazer construir uma ideia nova ou derrubar uma ideia construída na mente por completo.

Uma característica da motivação que me incomoda um pouco é a sua transitoriedade. Nunca estamos sempre motivados para fazer algo transformador. Oscilamos entre momentos de extrema motivação para super baixa motivação. Quando buscamos transformações expressivas em nossas vidas, essa oscilação pode significar deixar de lado a transformação. Por exemplo, quantas pessoas você já viu prometendo iniciar o ano com uma atitude diferente quanto a sua saúde? Naquele dia a pessoa está super motivada para iniciar a mudança. Basta começar o ano e a motivação para a mudança já não existe mais. Isso se aplica em várias áreas, desde algo que queremos fazer para nós mesmos assim como uma mudança que queremos, por exemplo, implementar nos locais onde trabalhamos.

Bom, daí comecei a ler sobre obsessão. Quando pensamos em obsessão temos um certo preconceito, correto? Vemos normalmente a obsessão como algo doentio, que faz mal. Vamos tentar deixar esse preconceito de lado e começar a enxergar a obsessão como algo que nos dá a disciplina para a mudança. Quando ficamos obcecado por uma mudança positiva em nossas vidas, fazemos crescer dentro da gente a disciplina necessária para parar apenas depois que completamos, que finalizamos a mudança. Vamos voltar ao exemplo da nova atitude quanto a saúde no final do ano. Imagine que ao invés de motivado você está obcecado por um novo estilo de vida mais saudável. O ano vai começar e sua obsessão vai lhe dar a disciplina para iniciar a mudança de estilo de vida. Não somente isso, vai lhe dar a disciplina para manter a mudança até que ela se consolide meses ou anos após seu início.

O David Goggins fala muito sobre isso no seu livro, sobre como a obsessão e a disciplina que vem com ela nos ajudam a realizar mudanças estruturais em diversas áreas de nossas vidas. O lance então se torna entender como nossa mente pode se tornar obcecada por uma ideia. Esse processo vem normalmente de uma experiência que gera um impacto significativo, algo como um trauma psicológico. O Goggins teve uma vida zoada. Meu filho sofreu com derrotas na esgrima e situações chatas na escola. Enfim, cada um de nós temos nossos desafios, nossos momentos difíceis. A vida é cheia de situações traumáticas para cada um de nós. A questão passa a ser se aproveitar destas situações para criar a obsessão para mudar para melhor.

A obsessão pode ser boa se olharmos ela como algo que pode nos ajudar a nos tornarmos melhor através da disciplina. As situações gatilho para mudança vão ocorrer, seja em nossas vidas pessoas, profissionais, etc. Podemos usar estes traumas, ou como o Alfred Adler chama: força criativa, não para nos motivarmos, mas para nos tornarmos obcecados. Obcecados por sermos pessoas melhores!

Quando realmente envelhecemos…

Quando chegamos na marca dos 40 anos começamos a perceber mudanças em nosso corpo e a valorizar certas partes dele. Normalmente a nossa visão de perto começa a ficar prejudicada e ver a tela de um celular passa a se tornar um desafio. Nossas costas começam a doer com mais frequência e outras partes ficam com movimentos mais limitados. Nosso sono fica mais leve e já não conseguimos dormir muito tempo. Enfim, ao nos depararmos com essas situações costumamos dizer: estou envelhecendo.

Quando comecei a estudar Psicologia e iniciei uma faculdade com 45 anos, passei a tentar entender um pouco melhor esse processo de envelhecimento. Neste momento, me parece que envelhecer não é algo relacionado exclusivamente ao nosso corpo, ao contrário, está mais relacionado a nossa mente, a forma com que nos comportamos ou buscamos nos comportar frente ao ambiente que nos cerca. Eu penso desta forma por conta da maneira como vivo. Hoje, aos 45 anos, me sinto mais novo do que quando tinha 30.

Tem dois fatores que acho que são críticos no processo de envelhecimento. Talvez, se buscarmos cuidar destes dois pontos possamos ficar mais novos. Vou falar um pouco de cada um deles e como eles influenciam em uma característica que o nosso cérebro possui e que a Neurocientista Frances Jensen chama de plasticidade cerebral.

O primeiro deles é batido e muito discutido no meio científico. Hoje inclusive faz parte do senso comum a ideia de que temos que nos exercitar. O que quero destacar aqui não é simplesmente o exercício, mas a nossa capacidade de fazer cada vez mais, mesmo quando a idade avança. Eu comecei a fazer exercícios depois dos 45. Não conseguia correr 2 quilômetros, não conseguia fazer 3 flexões de braço, etc. De forma progressiva, lenta, mas consciente, fui puxando cada vez mais do meu corpo. Sempre com o apoio de profissionais da área, hoje meu corpo me entrega mais do que quando tinha 30 anos. Encontrei na atividade física com progressão do esforço e o aprendizado de novos exercícios a minha fonte da juventude física.

O segundo é diferente do que estamos acostumados a fazer ao irmos avançando na idade. Normalmente, tendemos a nos cercar pelas mesmas pessoas à medida que chegamos aos 45 anos. Falamos dos mesmos assuntos e não nos abrimos a novas ideias ou visões de mundo. No meu caso, percebi isso depois que entrei na faculdade de Psicologia. Mesmo em um esquema remoto, conheci pessoas novas, com visões de mundo totalmente diferentes da minha e, muito mais novas em idade. As ideias destas pessoas associadas a energia delas nos torna diferente, nos dá um gás e nos rejuvenesce por dentro, na mente. O jornalista Joe Keohane fala como conhecer pessoas novas tem a capacidade de nos mudar no livro The Power of Strangers.

Estas duas coisas, o exercício com progressão de esforço e estar inserido em um contexto que nos permita conhecer pessoas com visões de mundo diferentes nos dão a possibilidade de aprendizado continuado, de estar sempre em movimento físico e mental. Nos ajudam a encontrar sensações agradáveis todos os dias impulsionadas por diversos processos fisiológicos através da produção de hormônios que aumentam o prazer e diminuem o estresse. Esse aprendizado diário é possibilitado pela plasticidade cerebral que a Dra. Frances Jensen desta em seu livro The Teenage Brain. Lá ela fala de pesquisas que mostram, por exemplo, que pessoas acima dos 70 anos que aprendem e dançam Tango possuem mais atividade cerebral e diminuem risco de doenças degenerativas.

Resolvi escrever sobre isso aqui porque acho que pílula vermelha neste caso está não somente na ideia de que precisamos evoluir o nosso físico, mas, principalmente, que temos que nos abrir para conhecer pessoas novas, mais jovens. Ter contato com novas visões de mundo é sensacional. Quando deixamos nosso corpo e mente se deteriorarem, ou até mesmo estagnarem, é quando realmente envelhecemos.

Nossos vários eus

Não havia parado para pensar na possibilidade de ter várias personalidades. Escutamos falar sobre isso com frequência em filmes, mas é muito provável que você também não tenha tido a chance de pensar que também tem várias personalidades. Você, seu filho, irmão, mãe, esposa, etc…

Semestre passado tive aulas sobre Teoria da Personalidade. Antes disso eu nem sabia ao certo o que é ter uma personalidade. Comecei a entender e colocar junto conceitos aprendidos em análise do comportamento e Filosofia e a ideia de que temos várias personalidades começou a aparecer na cabeça.

Foi assistindo a série Ruptura na Apple TV+ que a ideia se consolidou. Então comecei a entender, por exemplo, porque crianças se comportam diferente na frente dos pais. Ontem, inclusive, cheguei a conclusão de que a maioria dos pais não conhecem seus filhos, eu me incluo nessa lista. Talvez não conheçamos bem ao certo as pessoas com quem convivemos por décadas.

O fato de que temos múltiplas personalidades explica bem esse desconhecimento acerca de quem convivemos. Nosso comportamento muda de acordo com o contexto que vivemos. Por exemplo, no trabalho, passamos a fazer coisas que não fazemos na nossa vida pessoal, e vice versa. Conseguem notar como isso tem implicações em nossas vidas?

Em todos os contextos nos adaptamos para tentar nos encaixar aquilo que a “norma”, no sentido de normalidade, nos impõe. Crianças se comportam na frente dos pais e se soltam quando estão longe, porque o contexto pede isso. São tolas na frente dos pais porque os pais reforçam (na linguagem da behaviorismo) esses comportamentos. Somos agressivos no esporte e as vezes no trabalho para não sermos comidos por leões. Assim a lista vai…

Para finalizar, estamos prestes a entrar em um mundo que vai criar uma infinidade de personalidades em nossas cabeças… com a lógica do Metaverso, vamos poder ser quem quisermos. Daí o desafio vai ser separar essas múltiplas personalidade em cada parte da vida. Vai ser interessante ver isso… Terreno fértil para os psicólogos pela frente 🤪

O fardo da Liberdade

A primeira vez que li sobre isso dei um travada… como assim a liberdade ser algo pesado? Fui ler mais a respeito e pude entender um pouco da origem deste problema. Basicamente, com a revolução industrial e a possibilidade de especialização do trabalho, começamos a migrar para as grandes cidades. Nesse processo de migração, deixamos nossas famílias e começamos a viver mais sozinhos, passamos a dispor de mais opções e, consequentemente, mais liberdade. 

Mais do que nunca a lógica do capitalismo liberal (e não me entenda mal, sou capitalista, inclusive me encontro na terra do Tio Sam no momento em que escrevo esse artigo) vem nos possibilitando cada vez mais opções. Hoje em dia temos opções para uma série de coisas que realizamos ou queremos. De certa forma, é a abundância de opções que nos gera a sensação de liberdade. Tenho a liberdade de “fazer” o que quero, de “escolher” o que quero. Desde bem cedo as crianças podem escolher seus conteúdos, seguir seus YouTubers ou TikTokers favoritos. Quando adolescente temos uma infinidade de opções de estudo e educação, depois opções de lazer, e por aí vai…

Mas até onde tantas opções e liberdade de escolhas é bom para a gente? A liberdade passa a ser algo pesado para nós quando a quantidade de opções é tamanha que começamos a ficar ansiosos ou angustiados por ter que fazer uma escolha. Queremos ter a conveniência da liberdade de escolha mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, o conforto ou a “preguiça” de não ter o trabalho da escolha.

Ao estudar essa questão vi o quanto ela está ligada ao nosso dia a dia. Nos deparamos com situações complexas e que tratam de vida ou morte quando médicos nos dão opções do que fazer quando necessitamos de algum tratamento. Louco, né? Como assim um médico me dar uma lista de opções e me perguntar o que quero fazer? Ele não deveria escolher o que é melhor pra mim? Bom, não é à toa que governos tomam decisões por nós todos os dias e que empresas nos empurram a fazer certas escolhas (isso é chamado de Nudge).

A liberdade de escolha vem com o fardo da decisão consciente. Tomar uma decisão consciente é trabalhoso e impõe um custo psicológico alto em várias pessoas. Isso ocorre em diversas áreas de nossas vidas. Para terminar, esse contexto vem sendo muito estudado no mundo corporativo sob a nomenclatura de arquitetura de decisões. Isso para reduzir a carga cognitiva e psicológica de decisões.

Se liguem, oferecer muita liberdade não é a melhor alternativa. Não é pelo simples fato de que não gostarmos das sensações trazidas com fardo imposto pela liberdade.

O medo…

O que é o medo? Gosto de definir medo como: uma reação que gera sensações desagradáveis em nossos corpos. Por exemplo, medo de ser assaltado na rua gera em nosso corpo sensação de sudorese, taquicardia, respiração acelerada, etc. Outro exemplo, medo de participar de uma competição esportiva, frio na barriga, náusea, tontura, dor de cabeça, calor no corpo, etc. Medo de voar de avião, insônia, falta de apetite, tremor nas mãos, etc.

O lance do medo que normalmente não prestamos atenção é que, na grande maioria das vezes, o medo é aprendido por nós, é condicionado na gente. Isso acontece por conta das experiências passadas que tivemos, vimos ou nos foi dita, que faz com que encaremos determinadas situações com medo. Por exemplo, comecei a ter medo de voar de avião depois que passei por uma turbulência muito forte numa viagem quando tinha 10 anos.

Bem, agora que sabemos que o medo tem uma origem, se quisermos de alguma forma tentar corrigir ou encarar os medos que sentimos, precisamos entender suas condicionantes, precisamos descobrir quais o início dos nossos medos. Aqui precisamos fazer outra distinção. Existem as origens tangíveis do medo, ou seja, aquelas que realmente ocorreram como parte da nossa experiência de vida e as origens que criamos em nossa mente, algo como uma disfunção cognitiva que gera situações que, de verdade, não sabemos se são reais ou não.

Para finalizar, quero falar um pouco deste segundo grupo, dos medos que criamos. Meu filho tem medo de competir, ele sente um calor incontrolável antes das competições. Nunca entendemos essa reação até que um dia em uma conversa ele nos disse: eu vejo na esgrima uma forma de dar orgulho para vocês, eu compito por vocês, quero ir para a seleção Brasileira por vocês. Nunca pedimos isso para ele, achávamos que ele jogava por prazer. Ele criou essa ideia que impõe nele um medo de nos desapontar. Quantos medos, como no exemplo do Pedro, criamos em nossas mentes?

É provável que o medo que criamos em nossas mentes seja o mais comum de todos. Ele é muito sutil, difícil de ser descoberto. Ao mesmo tempo um forte gerador de ansiedade e sensações ruins em nossos corpos.

Nada é para sempre…

Descobri que nada é para sempre de uma forma dolorosa. Quando temos um filho, ficamos com a ideia de que ele vai ficar junto conosco o resto da nossa vida. Vivi na pele a verdade de que nada é para sempre. A partir daquele momento o mundo começou a mudar para mim. Tudo aquilo que eu acreditava que era fixo e imutável se tornou fluido, frágil.

Neste processo de mudança, comecei a perceber que me prendia a ideias que nos são ensinadas desde cedo e que não são necessariamente certas, ou não mais. Nasci em Belém do Pará, em uma família tradicional religiosa devota de Nossa Senhora de Nazaré. Estudei quase que a vida toda em uma escola Católica. Esse contexto em que fui criado, vocês podem imaginar, formou em mim uma série de valores, crenças e ideias. Cada pessoa cresce seguindo uma lógica parecida, recendo influência e sendo construída com base no que sua família, sua escola, as pessoas ao seu redor lhe ensinam.

Mais recentemente tive a oportunidade de entender como alguns filósofos como Michel Foucault pensavam sobre a moral: “conjunto de valores e regras de ação propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos, como podem ser a família, as instituições educativas, as Igrejas, etc.”. O pulo do gato em relação a esse pensamento é entender que, à medida que estes “aparelhos prescritivos” mudam, nossos valores e regras de ação também mudam. Logo, aquela ideia de que acreditávamos ser verdade num momento da vida, pode não ser em outro momento.

Onde eu quero chegar com isso? Sim, no título deste texto: nada é para sempre. Participo de alguns ciclos de amizade onde conversamos bastante sobre o hábito das pessoas na sociedade. É normal vermos amigos criticando novos hábitos e preferências de pessoas que nos cercam, de pessoas que frequentam os mesmos locais que frequentamos. O que normalmente não entendemos é que, como disse Foucault, os novos hábitos são formados por novos “aparelhos prescritivos”. Não podemos criticar novos valores, hábitos ou preferências. Precisamos respeitar e entender. Nós mesmos como famílias somos um dos pilares que ajudaram a construir os novos valores.

Não nos prendemos somente a questões culturais, hábitos, etc. Muitas vezes nos prendemos a ideias que nós mesmos criamos para a gente. Uma vez trabalhei em uma empresa onde fui ameaçado de demissão por baixa performance em vendas. Minha primeira reação com a ameaça gerou uma sensação ruim porque estava preso à ideia de que seria muito difícil iniciar algo novo fora daquele local. Depois de refletir muito, revendo tudo pelo qual já havia passado, conversar com amigos e minha família, cheguei à conclusão de que o melhor era sair. Como resultado, voltei para a empresa e pedi para que eles não ameaçassem e sim executassem a minha demissão. Foi libertador!

A leitura, o estudo, a convivência com novos ciclos de amizade me ensinaram muito. A minha experiência de vida e todos os perrengues pelo qual passei e passo sempre me ensinam. Hoje me prendo a pouquíssimas ideias fixas, e sei, que mesmo estas poucas ideias fixas podem cair aos poucos. Vivo melhor aceitando a fluidez das construções sobre as quais nossas ideias são criadas. Isso me ensinou a entender e respeitar a construção de cada pessoa com a qual eu convivo.

Não é ruim saber que nada é para sempre. Na verdade, é bom porque estamos sempre aprendendo, evoluindo e experimentando boas sensações. Essa talvez seja uma das pílulas vermelhas mais interessantes para se tomar.

A vitória não ensina muito…

O que as nossas vitórias na vida nos ensinaram? Se pararmos um pouco para refletir sobre isso provavelmente vamos chegar à conclusão de que as nossas vitórias nos ensinaram muito pouco, se é que ensinaram alguma coisa.

Voltamos às famosas abstrações criadas por nós para dar significado as nossas vidas. A vitoria é mais uma dessas abstrações. Nós somos criados e educados para ter vitórias na vida. Muito gira ao redor disso, pois precisamos “vencer na vida”. Esse é um dos nossos lemas principais, certo?

O problema são as implicações disso, pois corremos o risco de achar que vencer a qualquer custo seja o meio justo para alcançar o objetivo final. Nos tornamos discípulos de Maquiavel: os fins justificam os meios.

Li um artigo super interessante chamado “O imaginário da derrota no esporte contemporâneo” da Katia Rúbio da USP. La ela revisa a história de atletas olímpicos e como funciona o pensamento deles sobre ganhar medalhas que não as de ouro. Se não for ouro, não interessa para muitos. Esse tipo de pensamento está associado a um dos fatores que levam ao doping, por exemplo.

Nesse fim de semana no torneio Infantil e Pré Cadete de Esgrima em Porto Alegre vi alguns comportamentos de crianças que vão, de certa forma, nessa direção. Não que as crianças não possam ficar aborrecidas com suas derrotas, mas deixar de cumprimentar adversários, usar de artimanhas para atrasar o jogo, são exemplos de atitudes que passam a impressão de que elas precisam ganhar a qualquer custo.

Por outro lado, vi crianças fazendo totalmente diferente, crianças que perderam de cabeça erguida, foram lá resignadas e deram um abraço fraterno no vencedor, no técnico e provavelmente reconheceram que, na quela oportunidade, seu oponente foi melhor.

Mas por que vencer a qualquer custo? Será que aprendemos algo com essas vitórias? Provavelmente vencer a qualquer custo está ligado a nossa construção, como falei anteriormente, ou a expectativas que criamos em nossas crianças, que nós mesmos criamos na gente e muitas outras explicações. Mas o mais grave é que a vitória não ensina nada, não nos faz melhores, não nos muda.

A derrota, por outro lado, sim nos faz melhores. Através da frustração da derrota, pelo sentimento de inferioridade na situação, encontramos o que o Psicólogo Alfred Adler chama de Força Criativa. Essa força criativa é que nos dá o que precisamos para o salto evolutivo. É na derrota, com as frustrações da vida, que encontramos forças para nos tornamos melhores.

No final do primeiro torneio de Sabre do Pedro eu sentei do lado dele e perguntei: você sabe o que significa frustração? Sei, papai, ele disse. Então falei: você está frustrado com o resultado? Ele diss: sim, estou. Então falei: pois fique, entenda o porque da sua frustração e tente melhorar se não quiser se sentir assim de novo.

Hoje a Psicologia como ciência mostra que uma forma poderosa de mudança de comportamento ocorre com a auto-observação. Não adianta dizer: você perdeu por causa disso e daquilo. Funciona mais quando a seguinte reflexão ocorre: você consegue me dizer por que acha que perdeu? O aprendizado é melhor e a resposta mais eficiente.

Ganhar é OK. As vitórias precisam ser celebradas. Mas perder é igualmente importante. Perder com a consciência da derrota, reconhecendo e encontrando as forças para melhorar. Não há tabu na derrota, vamos perder na vida e não há nada que possamos fazer se não aprender e melhorar com isso. Por que não falar abertamente disso? Aprendemos de verdade com as derrotas. Depois, com tempo, maturidade e consciência, as vitórias são naturais… não só no esporte, na vida toda!

Este fim de semana o Pedro me mostrou que Alfred Adler estava certo!

Resultados imediatos

Não estava pensando em falar sobre isso hoje, na real, aconteceram algumas coisas no final de semana que me fizeram mudar a agenda de texto e priorizar esse assunto. No livro Creativity Inc. os autores Ed Catmull e Amy Wallace falam sobre uma frase dita por George Lucas que também é citada em um dos filmes do Star Wars: The journey is often more importante than the destination. Em tradução livre seria algo como: A viagem é normalmente mais importante que o destino. Conversando sobre as situações do fim de semana, o Rodrigo Baldin me lembrou também da música do Aerosmith, Amazing: Life’s a journey, not a destination (A vida é uma jornada, não um destino).

Se pararmos para observar bem as nossas vidas vamos achar uma série de indícios de que estamos muito mais preocupados com o destino do que com a jornada. A nossa educação e os estímulos que recebemos em nosso dia a dia se focam exclusivamente na parada final. Deixamos de nos concentrar no presente e em curtir o que estamos fazendo no momento. Lembram do filme Sociedade dos Poetas Mortos: Carpe diem. Seize the day, boys. Make your lives extraordinary (Seize the day — Aproveitem o dia). O que está rolando com as nossas vidas?

Bom, como falei, somos educados e condicionados a olhar mais para o futuro do que para o presente. Desde cedo, se olharmos para a educação religiosa Cristã tradicional, por exemplo, vemos uma ênfase ao que vai acontecer com a gente quando morrer. Se analisarmos o sistema educacional em si, notamos o foco nas notas de cada ciclo como praticamente única forma de avaliação do aprendizado do aluno. Ao entrar no ambiente de trabalho nos deparamos com as métricas malucas impostas pelo resultado trimestral a qualquer custo e de curto prazo. Sempre o foco no destino, quase nunca no caminho, na jornada.

Faz algum tempo que os Psicólogos procuram trabalhar e mudar o nosso foco para o presente. O Psicólogo Alemão Frederick Perls, por exemplo, põe ênfase no agora e define ansiedade como a lacuna, a tensão entre o “agora” e o “depois”. Para ele, as pessoas que não conseguem viver o agora possuem uma certa neurose. O Psicólogo Americano B.F. Skinner aborda uma outra perspectiva colocando a questão do reforçamento positivo através de estímulos prazeirosos e de curto prazo. No texto O que está de errado com a vida cotidiana no mundo ocidental? Ele mostra como as coisas ficaram mais “fáceis” para nós nos últimos anos gerando estes estímulos de curto prazo. Um exemplo interessante é o do controle remoto. Vocês já repararam que muitas vezes ficamos mais tempo no controle mudando de canal do que assistindo um conteúdo? A simples mudança do canal gera estímulos imediatos. Um mecanismo semelhante a preferência das séries com episódios mais curtos à filmes no dia a dia. Ou a troca, nos estudos, de cursos de graduação de 4 ou 5 anos por cursos super curtos que “formam” uma habilidade específica.

O resultado disso, como Perls colocou, é a galera toda com crises de ansiedade. Mas no livro Flow o Psicólogo Húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (já falei sobre ele antes) mostrou alguns caminhos para inverter essa lógica, ou seja, fazer com que trabalhemos e aproveitemos mais a jornada. Com a jornada sendo bem aproveitada e bem feita, o resultado final vem. Ele cita diversos exemplos de pessoas que entram em Flow (esse é o termo que ele usa) como Tenistas, Médicos Cirurgiões, etc. Para mim, a pílula vermelha sobre o imediatismo de resultados veio quando engrenei na musculação. Muita gente me pergunta: você faz 90 minutos de musculação todo dia, como aguenta, é chato, o resultado demora para acontecer? Poisé, parece que entrei em Flow na musculação. Curto cada aparelho, cada movimento, cada conversa com o pessoal da academia. Estar lá me coloca em um estado de constante aproveitamento. O mesmo acontece quando corro e mais recentemente quando treino funcional ou Esgrima.

Isso que aprendi nos exercícios se abriu em outras partes da minha vida. No meu trabalho, quando curto cada atividade que estou fazendo, cada conversa com pares, clientes e parceiros. Nos estudos, em cada aula, livro ou conversas com a turma. Com minhas relações interpessoais, quando procuro olhar no olho das pessoas e prestar atenção a cada palavra que elas dizem, principalmente minha mulher e filho. O que vai acontecer no futuro como consequência de tudo isso me interessa muito menos do que o que estou aproveitando a cada momento fazendo estas coisas todas. Carpe diem.