O porquê de nunca estarmos satisfeitos…

Você já deve ter notado que algumas pessoas nunca estão satisfeitas com o que têm, com o que conseguem obter durante suas vidas. Talvez você mesmo se veja nesta mesma situação, sempre correndo atrás de um objeto novo. Nunca está satisfeito com o que tem, a impressão ou a sensação é de que sempre está faltando alguma coisa para ser comprada, para ser conquistada. A psicologia tem um nome para isso: “satisfaction treadmill”. É como se você estivesse em uma esteira de academia e seu objeto de desejo parado à sua frente. Não importa o quanto você corra nessa esteira, nunca vai alcançar esse objeto de desejo.

Bom, você deve ter notado que eu usei o termo objeto ou objeto de desejo no parágrafo anterior. A razão de eu ter usado esse termo é a de que eu quero puxar essa discussão para o campo da psicanálise. De forma resumida e simplificada, para a psicanálise, todos nós somos movidos por uma força interna chamada libido. Essa libido que nasce com a gente e nos acompanha por toda a nossa vida tem uma origem pulsional, instintiva. Nosso primeiro instinto, assim que nascemos, é o da fome. Choramos e buscamos um objeto “externo” com o objetivo de resolver esse instinto fortíssimo. Descobrimos, muito rapidamente, que o seio da mãe é esse objeto. Desde esse momento muito incipiente das nossas vidas aprendemos a desejar um objeto para satisfazer a um instinto.

OK, vamos dar mais um passo. O processo libidinal que descrevi no parágrafo anterior evolui, passamos a sentir outras necessidades, sermos influenciados por outros instintos. Com o nosso desenvolvimento, passamos a dar contorno à nossa identidade, a um Eu. Um Eu que passa a enxergar que o que está fora da gente é o que satisfaz nossos desejos. Passamos a desejar então esses objetos externos que são a fonte de satisfação de nossos instintos, da nossa força pulsional. Mas daí algo muito louco acontece porque nesse processo de desenvolvimento do Eu e das pulsões, passamos a desejar objetos que a nossa sociedade e cultura não permitem que sejam desejados. Por exemplo, não podemos desejar o seio das nossas mães pelo resto de nossas vidas.

Essa é uma simplificação grotesca do processo com um todo porque várias outras coisas acontecem em paralelo. Nosso corpo evolui e passamos a sentir mais refinadamente áreas sensíveis que dão origem a outros instintos. Pessoas passam a fazer coisas com a gente que nos desagradam e queremos exterminar isso da nossa frente. Nossos pais começam a cortar, remover (a palavra na psicanálise é castrar) comportamentos e desejos que não são adequados. Isso tudo vai ocorrendo de forma muito rápida, desde muito cedo. Muitas dessas situações não podem ser devidamente elaboradas pelas crianças. Quando essas imagens que simbolizam os desejos são castradas e a criança não entende, se dá um processo traumático, sendo então esse desejo, esse instinto em relação ao objeto desejado, recalcado ou reprimido em nosso inconsciente.

Pois bem, diante desse preâmbulo, vamos ao ponto que quero chegar. Os instintos recalcados ou reprimidos não sumiram, eles continuam lá em nosso inconsciente. Eles estão lá batendo à porta da nossa consciência e pedindo passagem para sair. Nossa mente precisa fazer um esforço enorme para não deixar esse conteúdo relacionado a um instinto absurdo escapar. Mas a libido, que é a força relacionada ao instinto, continua lá. Essa energia flui em nosso corpo e precisamos dar vazão a ela, dado que ela segue sendo alimentada por esse instinto proibido. Qual a saída psíquica que damos? Colocamos essa libido em outros objetos. Colocamos na prática de esportes, nos estudos, no trabalho, nos bens materiais que compramos, nas viagens, etc…

Vejam como a razão de sermos eternos insatisfeitos é muito simples. Estamos sempre insatisfeitos porque não podemos dar vazão a um instinto proibido a muito tempo, esse instinto que fica alimentando a nossa libido durante nossa vida toda. O mais complexo disso tudo é que sequer sabemos o que é esse instinto proibido. Ele se encontra tão escondido nas profundezas de nosso inconsciente que não temos chance de o elaborar. Talvez, depois de um processo psicanalítico difícil e demorado tenhamos a chance de começar a entender. A partir daí começamos a controlar nossas vidas, a escolher onde colocar nossas energias. De repente, correr atrás de tudo deixa de fazer sentido. Saímos da esteira e andamos pela rua nos aproximando de forma clara dos nossos desejos verdadeiros.

Mas se você não conseguir chegar nesse ponto, desculpe, vai continuar olhando a grama do vizinho e achando mais bonita que a sua, vai desejar a vida dos outros nas mídias sociais, vai comprar bolsas, sapatos, roupas e carros que não precisa, vai trabalhar e se deixar escravizar por um sistema que enxergou isso muito melhor que você. Você cego, você comandado por um inconsciente cruel e um superego tirânico que deixa passar só a libido que reforça sua energia para correr atrás do rabo.

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Autor: André Ferreira

Diretor de Vendas LATAM na LivePerson, Doutor em Ciências, Mestre em Engenharia e MBA em Gestão de Operações pela POLI USP. Estudante de Psicologia.

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