
Faz algum tempo que trabalho na área de vendas, passei por algumas posições e responsabilidades em empresas distintas e acompanhei outras empresas na área de tecnologia. Uma coisa que sempre me chamou a atenção foi como os números para os objetivos de vendas são estabelecidos e, posteriormente, gerenciados. Desde a minha primeira reunião de forecast, ou funil de vendas, me chamou a atenção a lógica pela qual o gestão sênior das empresas construía o objetivo da empresa e como isso ia decantando ao longo da estrutura de vendas.
No Inglês existe um termo muito bom e que acho que se enquadra bem no ponto que quero fazer aqui nesse texto: wishful thinking. Esse termo significa acreditar que algo é verdadeiro e vai acontecer simplesmente porque você quer, mesmo que haja pouca ou nenhuma evidência de que vá acontecer. Esse termo sempre passava pela minha cabeça nas reuniões executivas e de forecast de vendas. Para mim, as ideias de market share e todos os percentuais que as empresas aplicam para chegar em um objetivo de vendas sempre pareceu um exercício de alucinação. Usando uma terminologia Psicanalítica, poderia dizer que todos ali estão em um surto Psicótico.
Mas essa alucinação coletiva não acaba na definição dos objetivos anuais e trimestrais, ele se estende ao longo dos trimestres e na forma como os números são gerenciados. No nível mais baixo, o do vendedor, o coitado precisa dar seu jeito para entregar um número que normalmente é forçado a aceitar por semestre frente ao que foi alucinado pelos níveis superiores nas fases anteriores do processo. O vendedor, então, começa a atuar correndo atrás das oportunidades de negócio tentando ao máximo fechar o que seja possível para se aproximar do seu objetivo a cada trimestre.
Mas aí algo mágico acontece com todos os envolvidos, e é justo aí que entra Freud. Freud argumenta que nós não vivemos uma realidade objetiva. Ao invés disso, nós fantasiamos e vivemos nossas realidades individuais para poder suportar as pressões e desconfortos da vida que vivemos. É neste ponto em que há a quebra do que o vendedor realmente pode fazer para fechar o negócio e as fantasias que ele cria para poder suportar as pressões. É neste momento que começamos a escutar frases como: eu acredito que vamos fechar! Nesta fantasia, o vendedor realmente vive aquela crença na oportunidade e passa essa fantasia estrutura acima. Ao longo do trimestre, todos dentro da organização de vendas vivem uma fantasia coletiva.
Não é à toa que muitas empresas falham em entregar seus objetivos de vendas. Não se trata de falta de processo, de ferramentas ou de técnicas de vendas. Não é que os vendedores são pessoas ruins ou péssimos profissionais. Trata-se de um comportamento inconsciente das pessoas que estão ali envolvidas em um contexto conturbado e sob pressão para sobreviver. Pessoas que acabam recorrendo a defesas psicológicas imaturas para lidar com o sofrimento psíquico sob a qual estão inseridas.