A força da realidade

Em 1911 Freud criou o conceito de princípio de prazer e princípio de realidade como um mecanismo que permite explicar nosso funcionamento psíquico. É um conceito bastante simples que, embora tenha mais de 100 anos, segue muito forte como explicação de nossos comportamentos conscientes e inconscientes.

O princípio de prazer tem uma relação bastante estreita com os nossos desejos. Nossos desejos, que em última instância estão relacionados com demandas internas, nos proporcionam, quando satisfeitos, grande satisfação, ou em outras palavras, nos entregam prazer. Por exemplo, acabei de comprar um tênis. O desejo de comprar o tênis veio de uma demanda interna (normalmente inconsciente) e que poderia ser explicada como necessidade de me mostrar mais novo, o que representa vigor, poder, energia e força. Ao realizar o desejo de comprar e calçar o tênis, em última instância, cumpro a essa demanda de vitalidade.

Nosso funcionamento psíquico opera normalmente dessa maneira, com um pequeno porém, o princípio da realidade. O princípio da realidade pode ser entendido como um regulador social do princípio de prazer. No exemplo do tênis, o princípio de realidade, normalmente operado pelo nosso consciente, não se opôs à demanda de jovialidade apresentada pela realização do desejo de compra. Hoje é cada vez mais comum e aceito que pessoas mais velhas se vistam de forma mais “moderna”, até, claro, um determinado limite. Limite este que é definido pelo princípio da realidade, o qual é formado por nossas crenças, cultura, educação, etc.

Nossos desejos (prazeres) e conjunto de crenças (realidade) estão operando em constante dinamismo de forma a definir o que faremos, ou não. Esse é justamente o sistema que opera quando uma mulher bonita passa perto de um homem acompanhado e ele evita olhar porque sua mulher está ao lado. A besta inconsciente está louca para se libertar e fazer ele olhar para o lado, mas sua consciência o impede porque sabe perfeitamente das consequências caso ele se entregue a este prazer.

Brincadeiras à parte, essa é, de fato, a descrição do funcionamento do sistema. Entretanto, nem sempre esse sistema opera de forma eficiente. Em algumas situações o desejo inconsciente é tão forte que as reclusas do consciente, que impedem que tais desejos saiam, se rompem causando certos atos falhos por parte das pessoas. Nós estamos sempre desejando alguma coisa. Preste muita atenção em suas conversas com outras pessoas e vai notar que elas estão sempre carregadas de desejos latentes, e algumas vezes, manifestos. A grande maioria das vezes tais desejos carregam grandes frustrações impostas pelo princípio da realidade.

Mas existe um segredo, algo que podemos fazer para estar conforme ao sistema e sem carregar frustrações. Podemos mover a realidade. Mover a realidade significa trabalhar, atuar para que possamos realizar nossos desejos. Algumas vezes, a realidade vai requerer que estudemos mais, trabalhemos mais, ou coloquemos mais esforço em nossas realizações. Outras vezes vai significar se organizar em grupos para mudar o contexto social, cultural ou político de onde vivemos. Sem mover a realidade vai ocorrer como vi um dia desses numa frase: ou você aumenta o sacrifício, ou diminui o desejo!

Liberação de Energia

Faz algum tempo eu comecei a perceber que certas pessoas mudam seus comportamentos e personalidade quando estão realizando certas atividades. É algo como se elas estivessem recebendo uma carga de energia muito grande fazendo aquilo. Elas ficam mais felizes, mais falantes, se movimentam mais, em resumo, se soltam.

Uma dessas atividades que fazem com que as pessoas se soltem é o esporte. Por natureza, a prática do esporte demanda explosão através da geração de uma energia muito forte. Normalmente, após a prática intensiva de algum esporte, nós nos sentimos bem, como se uma descarga de felicidade corresse em nossos corpos.

Outra atividade semelhante é a dança. Note quando você está em um show ou num bar onde as pessoas estão dançando, como elas mudam de comportamento. Naquele ato da dança, elas estão liberando uma energia importante. Se você conversar com elas, vai notar que após a dança elas vão descrever uma descarga de felicidade correndo pelo corpo (semelhante à prática de esporte).

Quem já se pegou cantando uma música enlouquecidamente alta dirigindo o carro? Poisé, assim como a dança e o esporte, cantar músicas de forma livre provoca a mesma liberação de energia que gera a descarga de felicidade correndo pelo corpo.

Bom, tem várias coisas que fazemos que geram a mesma sensação de liberação de energia. Mas, se você notou, eu estou usando muito o termo liberação de energia. Se estamos falando em liberação é porque essa energia estava reprimida de algum outro lugar, certo? Alguma ideia de onde ela foi reprimida?

Pensou?
Pense mais um pouco…
Um pouco mais…
E aí?
Vamos lá então…

Bom, para a Psicanálise, a energia que a gente investe vem dos nossos instintos ou pulsões. E se você respondeu que essa energia tem, ao menos em parte, um fundo sexual, você acertou. Para a Psicanálise, Freud em específico, nossos desejos têm origem no que ele chama de Pulsão Sexual e como, pelo princípio da realidade, nós não podemos executar todos esses desejos, a energia originada por eles acabam por ser gasta por nós em outras atividades.

Note aqui uma coisa muito interessante. Compare a sensação que a gente tem ao liberar nossa energia com a dança, música ou esporte com a sensação da liberação de energia na prática de sexo. É algo muito parecido, com a exceção do orgasmo. Isso porque a fonte de energia é a mesma.

Mas, o que ocorre com as pessoas que não podem liberar essa energia através dessas atividades? A repressão dos desejos vindo das pulsões sexuais sem a liberação da energia gera sintomas sentidos pelo nosso corpo. Depressão, ansiedade, problemas musculares, alérgicos, etc… Não é à toa que a prática de exercício físico é posto por várias pessoas da área da saúde como o grande remédio do nosso século.

Então, meus amigos, a moral da história aqui é: libere sua energia! Se é através da música, dança, exercício, ou o bom e velho sexo, não importa… o que importa mesmo é que você libere geral!

Ato e potência

Minha paixão pela matemática e física limitou minha visão de mundo por muitos anos. Embora seja eternamente grato pela construção do meu raciocínio lógico, minha formação em engenharia ajudou que eu entendesse potência como algo apenas físico, como força. Até alguns anos atrás, potência para mim era a força de um carro ou energia gerada por uma usina elétrica.

Faz alguns anos, ao estudar um pouco de filosofia, meu entendimento de potência mudou. Ao aplicar em nós, seres humanos, Aristoteles define potência como “as possibilidades do ser”. Essa definição rearranjou o significado da palavra em minha cabeça e sempre que vejo ou escuto uma referência a esse significado, vejo como estamos longe de realizar nossa potência.

Realizar a potência, esse termo foi usado ontem pelo James Blake no discurso de premiação do Miami Open. Ao se referir ao Sinner, ele disse: acompanho o esforço que ele faz nos bastidores para realizar sua potência. Sinner tem a potência, é dele, inato, mas para realizar a potência, como bem disse o Blake, ele precisa colocar esforço na sua realização.

Muitos de nós realizamos nossa potência em diversas fases de nossas vidas. Acredito que é na fase escolar, mais ou menos na adolescência, o momento em que mais realizamos nossa potência. Potência intelectual e potência física. A grande maioria para por aí. Ao se formar na faculdade, se dedicam ao trabalho e praticamente colocam um fim na realização da sua potência. Nesse momento, passa a realizar o que Aristoteles chama de Ato, a manifestação atual do ser.

Vendo o jogo de tênis ontem, e ouvindo todas as reflexões feitas pelos jogadores e comentaristas (em particular o Fino), me convenço cada vez mais de que nossa potência é infinita. Notem, Aristoteles diz que potência são as possibilidades do ser. Por mais que cheguemos a um limite em uma área, podemos seguir tendo potência em outras.

Sou Esgrimista, adoro esporte, me encanta ver a transformação das pessoas pela realização de sua potência no esporte. Essa resolução não é apenas técnica ou física, é também (ou principalmente) mental e espiritual. Quando acabou o jogo o Sinner disse: não importa o que aconteça, no dia seguinte eu volto para treinar. Áron Szilágyi fala algo parecido em seu documentário, que após as competições ele volta para treinar o básico.

Para finalizar, a realização da potência mental das pessoas que estão no topo é incrível. Eles pensam diferente. O Sinner falou que estava simplesmente curtindo aquele momento. Que não sabia se seria o último ou um de muitos. Isso me lembra o conceito de Flow do Psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. No fundo, não importa onde realizamos nossa potência, desde que a realizemos. O Flow está nessa realização, é o que nos dirige.

Dostoiévski estava certo quando disse que o homem ama o processo de atingir o objetivo, não o objetivo.