É tudo tão mecânico…

Uma das primeiras idéias que me chamou a atenção nas aulas de Psicologia foi a do autômato. Esse é um conceito antigo que pode ser encontrado em eras antes de Cristo. Conceitualmente, um autômato “é um mecanismo que se opera de maneira automática, imitando movimentos humanos”. Autômato pode também ser entendido pela ” pessoa que age como máquina, apenas cumprindo ordens, sem questionar”. Para o propósito deste texto eu vou usar o segundo entendimento da palavra.

Faz alguns anos, na época em que eu viajava muito, me peguei com um aperto no peito quando passei a parar para admirar a beleza de paisagens, de pessoas, gosto de bebidas e comidas, etc. Ao admirar estas situações que eram passageiras naquele contexto, me pegava pensando: “nunca mais vou ver essa beleza, ou, dificilmente vou experimentar esse gosto novamente”. A efemeridade da experiência vivida me fazia sentir um mix de sensações, e devo dizer que na maioria das vezes tinha uma sensação forte de perda.

De certa forma, ao passar frequentemente por esse tipo de situação nas viagens eu acabei criando o hábito de contemplar, aproveitar a vista, o gosto, ou o que quer que seja no momento em que estou experimentando a internalização dos sentidos em meu corpo. Tive o estalo de escrever sobre isso porque no Domingo passado vivi isso novamente. Ao ir em um mercado para fazer compras vi uma pessoa muito bonita na fila do caixa. Logo me veio o pensamento: “nunca mais vou ver essa pessoa”. Então me permiti, por mais louco que pudesse parecer, olhar e ficar alguns segundos admirando aquilo que para meus olhos era muito bonito.

Mas porque eu estou falando isso? Voltando ao conceito do autômato, hoje em dia, convivendo com pessoas ao meu redor, vejo que não estamos contemplando as boas sensações que experimentamos. É tudo tão rápido, tão automático, que nosso comportamento lembra muito mais o de um robô do que de um ser humano. Vejo tantas pessoas preocupadas com a idéia de que máquinas vão roubar nossos trabalhos sendo que estas mesmas pessoas não conseguem perceber que os robôs são elas mesmas.

Acorda todo dia, vai trabalhar sempre seguindo o mesmo caminho, faz algumas refeições rápidas sem aproveitar o gosto da comida, volta para casa cansado, passa algumas horas rolando a tela do celular atirado em um sofá, come algo, toma banho, vai dormir… no dia seguinte, repete tudo de novo até chegar sexta feira. Isso para, no fim de semana, repetir as mesmas atividades do fim de semana anterior.

Qual foi a última vez que quebramos a nossa rotina? Fomos comer em um restaurante diferente sem o celular, fechamos os olhos para aproveitar o sabor de um vinho complexo e o gosto de uma comida simples. Qual foi a última vez que seguramos um copo de café com as duas mão, sentindo o calor do líquido e tomando com calma na companhia de alguém com uma conversa interessante? Qual foi a última vez que aproveitamos um longo beijo ou um caloroso abraço, esquecendo tudo que está do lado de fora? Qual foi a última vez que paramos por alguns minutos para admirar a beleza de uma pessoa ou de uma paisagem?

Por que fazer essas coisas no acima deveria significar quebrar a rotina? Não dá para sempre aproveitar as sensações? O que aconteceu com as nossas sensações, nossos sentimentos? A imagem do post mostra um coração mecânico sobre uma pessoa vagando por uma cidade grande. Será que é isso mesmo?

Você fala sozinho?

Eu falo, e com muita frequência 🙂 semana passada me peguei brigando comigo mesmo na academia porque notei que estava fazendo um exercício de tríceps da forma incorreta. Quando olhei para o lado, uma mulher me encarava provavelmente pensando: “esse cara é maluco, falando com ele mesmo sobre o exercício?”. Hahaha, a verdade é que eu não ligo. Especialmente depois que descobrir que muitas vezes o hábito de falar sozinho está associado a mentalização, algo que trás benefícios importantes em diversas áreas.

Antes de falar da mentalização, queria contar mais um caso engraçado. Li em um livro que durante o banho nós normalmente aplicamos muita reflexão sobre diversos assuntos. Sei de pessoas que fazem isso e têm ótimas idéias quando estão tomando banho (você que está lendo sabe que estou falando de você, hahaha). Eu, particularmente, fico fazendo alguns pequenos movimentos de esgrima, como se eu tivesse tentando aperfeiçoar esses movimentos. Um dia eu resolvi perguntar para o Pedro se ele também fazia isso no banho. Resposta: “hahahahaha, eu faço também”. Daí resolvi perguntar na academia se alguém mais fazia. Resposta: risos coletivos, pois muitos fazem.

Até uns três meses atrás eu achava que todos são muito loucos por fazer isso, eu inclusive. Mas depois de aprender sobre o exercício de mentalização, penso totalmente diferente. Existem diversos estudos que mostram os benefícios da mentalização nos esportes. Atletas de ponta realizam esse processo com resultados surpreendentes. Apliquei uma técnica com alguns jovens praticantes de esgrima e futevôlei e o resultado foi muito interessante. Aqueles que aplicaram a técnica com afinco e disciplina, conseguiram pódio em competições nas quais participaram.

É claro que não foi o exercício de mentalização que fez com que esses atletas tivessem sucesso. O sucesso deles vem de muita disciplina, treino e talento. Mas o exercício ajuda no processo psicológico em relação a participação em uma competição. Nos estudos a que me referi acima foi comprovado que atletas que praticam mentalização de forma frequente e consistente antes das competições tendem a “entrar” na competição antes que seus competidores que não fazem. Isso reduz o processo de estresse e melhora as ações do jogo.

Queria finalizar falando um pouco da aplicação da mentalização em outras áreas. Assim como em uma competição, pessoas que aplicam mentalização antes de apresentações ou reuniões importantes apresentam melhores resultados pelos mesmos motivos da aplicação no esporte. No contexto do trabalho ou escola, elas “entram” antes no evento em que irão se expor, praticam na cabeça os pontos chave de seu pitch e antecipam movimentos que outros participantes possam dar como perguntas e provocações.

No nosso dia a dia, o mundo em que passamos a maior parte do nosso dia é o da nossa imaginação. Podemos usar esse tempo em que passamos dentro de nossas cabeças para refletir sobre a vida, aprimorar e consolidar conhecimentos, antecipar e preparar respostas para eventos futuros, etc. Falar sozinho faz parte desse processo. Olhando sobre essa perspectiva, não parece tão louco assim se pegar conversando consigo mesmo, certo?

Vencedores e perdedores têm os mesmos objetivos

Li essa frase no livro Hábitos Atômicos do James Clear. É uma afirmação poderosa a interessante, mas faz todo o sentido. Paremos para analisar um pouco do ambiente em que estamos inseridos. Em qualquer ambiente vamos encontrar vencedores e perdedores. Em um ambiente competitivo do esporte vemos isso claramente. Todos dentro desse ambiente possuem os mesmos objetivos, ganhar, se destacar, mas apenas alguns conseguem. O mesmo acontece em nosso contexto social. Todos querem viver uma boa vida, confortável, com qualidade, mas alguns conseguem melhores condições que outros.

Se os objetivos são os mesmos, o que diferencia aqueles que conseguem mais daqueles que não conseguem chegar. O segredo está no esforço, na consistência, na disciplina, na construção. O segredo está no processo, na identidade vencedora de uma pessoa. O segredo está em olhar para dentro, em se focar no que está sob seu controle. O segredo está em NÃO perder tempo com fatores externos fora de nosso controle. O segredo está no processo, ou como o autor coloca, no sistema que decidimos seguir pelo tempo que seja necessário até chegarmos aos resultados.

Em outro livro, The Source, da Tara Swart, ela diz o seguinte: o resultado sempre chega, as vezes demora, mas chega. A persistência e confiança no processo de auto-construção vão fazer com que os objetivos sejam alcançados. Eu conheço muito bem a história de amigas que enveredaram pelo caminho do empreendedorismo. Levaram anos para consolidar sua primeira clínica, com muita persistência e um sistema rígido de construção. Estão iniciando seu segundo negócio e olhando perspectivas de mais crescimento.

Tenho um amigo nos EUA que é minha grande referência para conquistas esportivas. O cara é um touro no que diz respeito a disciplina e determinação. Um verdadeiro monstro que se construiu focado naquilo que ele pode controlar. Não bastasse tudo que ele construiu, segue buscando melhorar em outros aspectos psicológicos para seguir crescendo. É um super exemplo de como o processo entrega o resultado, cedo ou tarde.

Mas o maior exemplo de todos para mim é a minha esposa. Faz 10 anos ela teve um câncer grave com um prognóstico muito desfavorável. O tratamento era duríssimo, a taxa de desistência do protocolo de tratamento era enorme de acordo com os estudos científicos. Nunca vi tamanha força, persistência e determinação. Ela se agarrou naquilo que ela controlava, sua fé em Deus e nela mesmo para terminar o tratamento. Ela seguiu à risca, não importava o contexto. Resultado, 10 anos depois, firme e forte!

A grande maioria das pessoas não chega lá não porque não tem o potencial, todos temos. Não chegam porque desistem, não querem passar pelo trauma da mudança ou o suor da persistência. A diferença entre o vencedor e o perdedor é o quanto se persiste, com disciplina e inteligência. Os perdedores não entendem que o interessante é o caminho e não a chegada. É no caminho onde estão as experiências. O foco do vencedor é sua construção ao longo do caminho. Ele nunca vai dizer: “fui prejudicado”. A pessoa com identidade vencedora vai dizer: “levei um tombo, mas já vi onde tropecei, vou melhorar e vai ser bom”.

Resultado versus realização

É interessante notar como a nossa sociedade e cultura são voltadas para os resultados. Essa forma de pensar está tão arraigada em nosso pensamento que cobramos as pessoas pelos seus resultados de forma inconsciente. Vou começar esse texto falando da experiencia esportiva desse fim de semana e concluir com um paralelo para outras áreas da vida.

Nesse fim de semana eu levei o Pedro para mais um torneio Nacional de esgrima. Depois que passei a estudar Psicologia, comecei a notar comportamentos que antes pareciam normais. Me refiro a perceber como os pais cobram os filhos por resultados. Muitos pais estão tão focados nos resultados que não conseguem observar tudo que seus filhos estão realizando ao participar de algo tão importante e difícil como uma competição nacional.

Mais interessante ainda é observar que, ao se focarem nos resultados, esses pais passam a culpar terceiros pelas “derrotas” dos filhos no torneio. As pressões sobre os árbitros são pesadas em função disso. Árbitros que são nossos amigos no dia a dia e que estão fazendo seu melhor no torneio. Essas pessoas NUNCA prejudicariam as crianças que estão competindo. Mas a cegueira dos pais é tanta que não veem que o filho perdeu por outros tantos motivos que não a arbitragem. Ao culpar quem não tem culpa, os pais perdem a maior chance de todas de construir seus filhos como pessoas melhores.

Na Psicologia Esportiva pode se dizer que existem dois tipos de motivação para os atletas: a motivação por resultado e a motivação para a realização. Não há modelo certo ou errado, cada tipo tem sua importância dependendo do estágio do atleta. Entretanto, para crianças, a motivação para a realização ou construção é normalmente a que funciona melhor.

Depois que comecei a estudar Psicologia Esportiva passei a fazer um trabalho diferente com o Pedro. Este trabalho está voltado para a realização e não para o resultado. Combinei com ele que o resultado não interessa, que vamos começar a nos preocupar com o crescimento e aperfeiçoamento do nosso jogo. A cada torneio paramos e refletimos: minhas ações nesse torneio foram melhores que no torneio passado? Estamos nos concentrando na construção.

O torneio desse fim de semana foi o segundo com essa lógica. O Pedro tem ido competir mais solto, relaxado (embora tenha tido alguns comportamentos que reprovo muito). Na chegada aqui em São Paulo estava mais claro para ele o que precisa ser feito para dar o próximo passo. Ele está começando a enxergar que é um processo, uma construção. Que ele vai se tornar melhor olhando para dentro, para o seu jogo, sem se preocupar com fatores externos.

Acho que vale a pena também fazer um paralelo disso tudo com o que ocorrem em nossas vidas. Desde cedo somos educados para fazer as coisas em função do resultado, e não pela satisfação da realização, do crescimento. Quem nunca escutou: vai estudar para a prova! Essa frase deveria ser: vai estudar para aprender! O resultado da prova vai ser consequência do aprendizado. Quando deixo o Pedro na escola eu sempre digo: aproveite os estudos!

No trabalho a lógica é também a mesma. Faz algumas semanas lembro que vi um post de alguém criticando a forma de medir o desempenho dos funcionários no LinkedIn. Nossas medições são sempre voltadas para os resultados. Essas métricas não se preocupam com as pessoas, mas sim com os resultados das empresas. Novamente, não estamos trabalhando a construção da pessoa profissional. Novamente temos a influência pesada da cultura, da regras sociais.

A Psicologia Esportiva descreve muitos impactos psicológicos sobre a escolha do foco motivacional para um atleta. Tais impactos afetam diretamente o desempenho, a força e determinação diária nos treinos e, automaticamente, os resultados finais. O paralelo com outras áreas da vida é muito forte. Ao nos preocuparmos com a construção dos profissionais os resultados virão.

Tenho a impressão de que há muito que aprender em relação a motivação para a realização e como ela influencia outras áreas de nossas vidas. Assim que descobrir mais eu conto aqui…