
Faz algumas semanas eu tive a feliz oportunidade de participar de um casamento muito interessante. A noiva e o noivo eram de culturas super diferentes, com personalidades distintas. A dinâmica do casamento foi incrível, não havia Padre nem religiões envolvidas. Tudo foi ao redor dos noivos. Foram lidos textos belíssimos sobre a relação entre duas pessoas, valores que são a base para a construção de um alicerce sólido na relação entre casais. A história deles foi também recontada por um dos primos do noivo e todos os envolvidos puderam conhecê-los um pouquinho melhor.
Após a leitura desses textos, foram feitos os votos entre os noivos. Foram votos incríveis, lindos. Reflexões que fazem muito sentido, de respeito e amor entre um casal que aparentam ter uma alma iluminada. Mas de tudo o que foi lido e falado durante a cerimônia, algo me chamou muita atenção. Uma frase dita pela noiva ao noivo. Foi algo mais ou menos assim: “em nossas discussões, prometo olhar primeiro para dentro de mim”. Eu interpretei aquela frase como se ela estivesse propondo que em qualquer desavença entre o casal, ela iria buscar primeiro internamente se o erro não estava do lado dela.
Achei aquela frase, aquele voto, algo de uma grandeza sem tamanho. Em uma sociedade em que normalmente apontamos dedos uns para os outros buscando culpados por todas as situações em que nos encontramos nas diversas esferas de nossas vidas, ver alguém que se proponha a olhar primeiramente para dentro de si, avaliando seu comportamento antes de apontar culpados, é sem dúvida algo muito incomum. Eu mesmo vou me observar mais a este respeito para entender qual o meu comportamento padrão, por assim dizer.
Depois de ter presenciado falas tão belas e a proposição da noiva por olhar para si mesma antes discutir o comportamento dos outros, me dediquei a estudar um pouco mais sobre algumas teorias da personalidade para ter um mínimo de entendimento sobre as diferenças entre as pessoas quanto ao comportamento de normalmente apontar culpados. Vi na teoria de Carl Rogers alguns componentes que podem nos ajudar a entender melhor e, até mesmo, nos ajudar a refletir para entender se não podemos nos aproximar mais do comportamento da noiva.
Existem dois conceitos na teoria do Rogers que podem nos ajudar nessa discussão. Primeiro é o conceito de Autoatualização, que se caracteriza pela formação do Eu de cada um de nós diante das experiências de vida que vamos obtendo durante nossas jornadas. Esse conceito é muito forte porque estabelece que cada um de nós somos, em essência, diferentes, dado que é impossível que tenhamos experiências de vida absolutamente iguais uns aos outros. Logo, o Eu de cada um de nós é mutável e vai se adaptando de acordo com o nosso processo de envelhecimento.
O segundo é o conceito de Consciência. Para o Rogers, basicamente, a consciência nada mais é do que o processo de confrontamento da experiência que estamos vivenciando hoje com o nosso Eu construído (ou Autoatualizado). Isso significa que, dependendo do contexto em que estamos vivenciando uma experiência, podemos interpretá-la de formas diferentes de acordo com o Eu construído. Sei, é complicado, tive que ler isso várias vezes para ter uma interpretação. Então deixa eu dar um exemplo.
Vamos supor que você tenha vivido em dois ambientes. Sua casa, muito segura, onde sempre ouve diálogo e compreensão com as pessoas que vivem ali. E seus distintos ambientes de trabalho, sempre hostis onde você sempre ficou inseguro e nunca conseguiu discutir abertamente um assunto. Seu Eu foi Autoatualizando e sendo retroalimentado por estes dois contextos. Tendo sido formado nestes contextos você pode desenvolver dois comportamentos diferentes quando há uma situação de confrontamento.
No seu trabalho, neste tipo de situação, você vai sempre ficar na defensiva. Vai normalmente buscar se proteger e não vai se apresentar de forma aberta para discutir o problema. Vai, possivelmente, reagir apontando dedos, buscando culpados. Já em casa, você vai se abrir, ali você conhece as pessoas, sabe que está seguro e pode ter uma conversa franca, pode inclusive olhar para dentro e dizer: “tenho culpa, meu comportamento foi inadequado”.
Então é assim, se olharmos a fala da noiva sob o olhar do Carl Rogers, podemos inferir que ela foi criada em um ambiente seguro, onde teve a chance de se manifestar e ser escutada. Foi, possivelmente, muito compreendida durante sua vida toda. Isso explicaria sua tranquilidade em buscar primeiramente avaliar seu próprio comportamento. Mas, e nós? E nossos filhos? Qual será o contexto de vida que estamos proporcionando a Autoatualização do Eu deles?