Ladrão de almas…

Início de Janeiro de 2023, retomamos os treinos de Esgrima, Pedro e Eu. Estávamos todos bem relaxados depois de um largo período de férias. Jogamos algumas partidas iniciais e, na última partida, o Pedro entra em pista com outro aluno da academia. Os dois são grandes amigos dentro e fora da academia, mas quando estão em pista, as vezes as coisas não saem bem.

A partida era de 15 pontos, o jogo estava bem equilibrado. Após alguns toques, o oponente do Pedro começou a gritar comemorando os pontos que fazia. Aquele comportamento foi entrando na cabeça do Pedro, fazendo com que ele perdesse controle total do que fazia. Em um dos pontos, o Pedro atacou com força. Embora tivesse perdido o ponto, no final da pista, deu uma batida de ombro no adversário. A partida foi assim até o final, quando o Pedro perdeu. Frustrado, ele caiu no chão chorando a derrota e sentindo dores no pescoço.

Uma das coisas que mais gosto nos esportes, e aqui falo de Esgrima porque jogo com certa frequência, são os ensinamentos que eles nos trazem para a vida. A situação que o Pedro enfrentou em pista é muito, muito comum em nosso dia a dia. No trabalho quando estamos de frente a situações difíceis com clientes, parceiros ou até mesmo companheiros em nossas empresas. Com amigos e família quando temos discussões em função de idéias divergentes ou brincadeiras de mal gosto. Enfim, é comum que outras pessoas nos tirem do trilho, nos façam agir com nossos instintos mais primitivos. O esporte nos dá a possibilidade de nos prepararmos para essas situações.

Esses instintos são controlados pela parte primitiva do nosso cérebro, o sistema límbico. Dentro dele está uma parte pequena, do tamanho de uma noz, chamada amígdala. Em situações de estresse e descontrole, como a enfrentada pelo Pedro, ocorre o que os neuro-psicólogos chamam de sequestro emocional (amygdala hijack). Essa parte pequena do tamanho de uma noz toma o controle de tudo, inclusive da parte mais evoluída do nosso cérebro chamada neocortex, que é responsável pelos nossos comportamentos mais educados, por assim dizer.

O que o oponente do Pedro fez com ele certamente não foi função do conhecimento dele sobre como cérebro do Pedro funcionava. Ele provocou, ele entrou na cabeça do Pedro. Aqui um pequeno parêntese, nós aprendemos também um pouco disso também nos treinos de esgrima, de forma sutil. Nós aprendemos, como dito pelo David Goggins (um exemplo de resistência, não apenas fisicamente mas também mentalmente), a roubar almas (taking souls).

Como diz o ditado popular: pau que dá em Chico dá também em Francisco. O importante de conhecer e passar pelo processo de ter sua alma roubada é que adquirimos calo mental. Sim, calo, aquele mesmo que ganhamos quando usamos um sapato ruim que faz com que nosso pé se adapte e não sofra mais com o sapato. Ao desenvolver o calo mental, passamos a encarar as situações do nosso dia a dia de forma diferente. Passamos a entender como se comportar nessa situação, pegar nossa alma de volta e até conseguimos, às vezes, roubar a do oponente.

Não julgo o Pedro pelo seu comportamento explosivo no jogo. Eu mesmo jogando com o mesmo oponente já tive vontade de quebrar meu sabre na cabeça dele. Por isso, depois que chegamos em casa aproveitei para conversar com ele sobre o que aconteceu. A mensagem principal foi que o que acontece com ele deve ser escolha dele, não de outra pessoa. Ele não pode se comportar de uma determinada maneira porque outra pessoa escolheu que ele se comporte assim. Dentro da cabeça dele, manda ele, o controle é dele e ele precisa praticar esse controle todo o dia.

Nós estamos fazendo vários exercícios mentais para melhorar nosso auto-controle, eu e ele. Respiramos, caminhamos, enfim, tudo que nos ajuda a controlar as emoções. Mas aqui o importante é o que isso representa para você! Quando você tiver a sensação de que está perdendo o controle e se ferindo por causa do que outra pessoa está fazendo, pense se ela não está tentando roubar sua alma. Não deixe outros controlarem suas sensações! Lembre do Pedro, na sua cabeça, manda você!