Cortina digital…

Acho interessante notar a nossa capacidade de desenvolver múltiplas personalidades. Em função dessas personalidades distintas, acabamos desenvolvendo comportamentos que buscam nos “beneficiar” de acordo com o contexto em que estamos vivendo. Eu ainda preciso entender se há algum estudo na Psicologia Evolucionista que mostra onde exatamente começamos a desenvolver tal habilidade, mas o fato é que hoje, no contexto de ambientes virtuais digitais, tenho a impressão de que estamos ficando ainda mais elaborados nesse processo de desenvolvimento de personalidades.

Essa Cortina Digital, sob a qual ficamos “protegidos” nos permite criar uma espécie de entidade, ou para usar o termo correto nesse mundo: Avatares, com personalidades completamente diferentes das nossas e comportamentos que não ousaríamos desempenhar em um ambiente físico normal, se é que o ambiente físico em que vivemos hoje em dia pode ser chamado de normal.

Eu trabalho em modelo de Home Office faz muito tempo, já fui chamado inclusive de Matusalém do Home Office. Então durante esse tempo todo, de certa forma, pude observar muitos comportamentos diferentes no ambiente de trabalho. Uma coisa eu tenho certeza, as pessoas tendem a ser mais frias umas com as outras em uma relação por mensagem assíncrona do que quando desenvolvem uma comunicação por voz síncrona, sendo ainda mais empáticas quando ativamos imagens mesmo em interações digitais. Quando vamos para o face a face, essa relação assume o ápice da conexão e da empatia.

Essa semana eu passei por um exemplo muito interessante no trabalho. Já não bastasse o uso excessivo da comunicação assíncrona por mensagem, agora precisamos conviver com as comunicações através de emails impessoais. Impessoais no sentido de que não sabemos quem está por trás do email. Me refiro aos emails do tipo cobranca@, faturamento@, suporte@, vendas@, etc… Muitas vezes quando recebemos respostas desses emails não sabemos quem está escrevendo. Algo do tipo: Assinado, Suporte! Agora falamos com entidades, hahahaha.

No exemplo desta semana, quando notei que a pessoa estava pouco se importando para o meu problema, não tive dúvidas, escrevi assim: “Imagino que não esteja falando com a entidade Cobrança! Por favor, quem é a pessoa que está por trás desse email?” Não é de se surpreender que a conversa mudou daí para frente. A resposta que recebi foi mais ou menos assim: “Olá, André. Como posso lhe ajudar. Aqui é Fulano de Tal.” Bom, resolvemos o que precisava ser resolvido sem maiores problemas daí para frente.

Mas o que me preocupa mesmo não é o uso abusivo da cortina digital no trabalho. Podemos nos adaptar de tal forma a buscar assertividade na comunicação para resolução de problemas práticos nesses meios. O que me preocupa é quando esse “hábito” do trabalho se estende para as nossas relações interpessoais do círculo mais próximo, me refiro a amigos e família.

Estas cortinas digitais possuem dois problemas: o primeiro é que desenvolvemos comportamentos atrás das teclas de nossos dispositivos que não faríamos pessoalmente. Somos, às vezes, mais agressivos e indiferentes nessas situações. O segundo é um problema de comunicação, de codificação e decodificação da informação. Podemos incorrer em erros de expressão quando escrevemos, assim como podemos entender incorretamente quando lemos. É muito ruim colocar relações do círculo próximo sob este risco. Um dia vai dar ruim!

Imagina você tentar resolver um problema sobre o inventário da sua família com seu irmão por mensagem? Não vai acabar bem… Ou se você teve um imprevisto e precisa desmarcar uma pizza com o seu melhor amigo e decide fazer friamente por mensagem? É provável que seu amigo se sinta desconsiderado.

Infelizmente, não sou otimista sobre o futuro em relação a isso. Me parece que o hábito está se tornando tão enraizado no nosso comportamento que acabamos por desaprender a falar por telefone ou sair para tomar um café com um familiar, um amigo, ou um colega de trabalho. Preferimos digitar ou gravar audios que são normalmente escutados na velocidade 2x. É triste! Isso sem contar nos Avatares que criamos no Instragam para representar uma vida que não existe na verdade. Mas isso é papo para outro post…

Criamos nossos próprios monstros!

Depois que comecei a estudar Psicologia passei a notar como nossa mente é terreno fértil para imaginar coisas que não acontecem de verdade. Cheguei a essa conclusão após algum estudo mas, principalmente, depois de observar o comportamento de algumas pessoas, incluindo o meu próprio comportamento, o meu próprio pensamento.

A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), uma das primeiras áreas da Psicologia na qual tive contato, dá especial ênfase na influência do pensamento distorcido e da avaliação cognitiva irrealista de eventos sobre os sentimentos e comportamentos do indivíduo. A partir do estudo da TCC, comecei a aplicar em mim mesmo alguns testes e passei a notar que me deparava de forma frequente com o comportamento de imaginar coisas que quase nunca se tornavam realidade.

Por exemplo, em meu penúltimo emprego eu costumava pensar muito, especialmente antes de dormir, em situações nas quais eu seria demitido ou passaria por frustrações grandes. Esses pensamentos normalmente se apresentavam no dia anterior a uma chamada importante com o chefe ou um cliente. Era recorrente e me gerava muita ansiedade. Depois de estudar a TCC eu passei a anotar esses pensamentos de forma a confrontá-los com a realidade. Foi interessante descobrir que 99,99% das vezes tudo de mal que eu pensava que ocorreria, não ocorreu. Sofri sem necessidade…

Depois de ter passado por esta experiência pessoal, passei a observar o comportamento das outras pessoas, tentando entender, comigo mesmo, o que estava passando na cabeça delas. Costumava fazer algumas perguntas para entender o pensamento delas e, posteriormente, concluir se o que elas haviam pensado ocorreu de verdade ou foi mero fruto de sua imaginação. De certa forma, não foi surpresa descobrir que o que ocorreu com elas foi muito parecido com o que aconteceu comigo. Assim como eu, estas pessoas sofreram sem necessidade…

Criamos nossos próprios monstros! Monstros que vivem apenas em nossa rica imaginação. Monstros que nos fazem sofrer por alguns dias, semanas ou meses. Monstros que afetam negativamente nossas relações com as pessoas, nossa produtividade em nossos estudos e trabalhos. Monstros que de feio só têm o nome porque não podem nos fazer mal na vida real.

Existem várias explicações para este tipo de comportamento. Talvez cada área da Psicologia tenha sua própria maneira de explicar por que insistimos em ficar criando em nossas cabeças situações que normalmente não são verdadeiras e que, possivelmente, nunca vão ocorrer. Aqui, para o contexto do Pílula Vermelha, talvez mais importante que entender a razão pela qual fazemos isso é aceitar que fazemos e que, na grande e esmagadora maioria das vezes, isso só nos gera um sofrimento desnecessário.

Nossos sonhos vêm sem as dores

Eu me interesso em observar como as pessoas descrevem seus sonhos, seus desejos para a vida e como elas acabam falhando nas suas tentativas para alcançar seus objetivos. Esse tipo de comportamento me desperta grande interesse porque acredito que esteja bastante relacionado as sensações de felicidade que experimentamos ao longo de nossas vidas.

É natural da nossa espécie buscar justificativas para tudo que acontece em nossas vidas. Temos uma enorme necessidade em encontrar motivos para tudo. Talvez a grande pergunta que nos fazemos e que ficamos buscando resposta por toda a vida é: por que estamos aqui? Ou melhor: qual o meu propósito neste mundo?

Muitas das vezes respondemos a estas perguntas com nossos sonhos, nossos desejos e objetivos. Talvez até mesmo de forma inconsciente, corremos atrás dos nossos sonhos como uma maneira de justificar as nossas vidas. O efeito colateral desse movimento é que estamos sempre buscando algo novo, sempre correndo atrás de saciar um desejo que nunca termina.

Mas essa busca toda pela realização de nossos sonhos vem com um problema. Nossos sonhos não acompanham as suas dores. Ao sonhar, ao querer algo, não temos a noção clara do que significa correr atrás deste objetivo. Sentimos a dor da realização desse sonho apenas quando partimos para a execução do que é preciso para chegar ao nosso ponto final.

É no momento em que sentimos a dor do sonho que paramos para refletir se isso é realmente o que queremos. Começamos a misturar o sonho com sofrimento e, muitas vezes, abandonamos o sonho. O abandono vem normalmente com mais uma justificativa e as frustrações vão se acumulando em nossas vidas de maneira a construir um muro que vai evitando cada vez mais realizar algo novo.

Note que as frustrações se acumulam dos dois lados: queremos alcançar coisas melhores para a gente porque estamos frustrados com o que temos, mas, ao mesmo tempo, nos frustramos quando sonhamos com algo que não “conseguimos” alcançar. Quero destacar as muitas aspas nesse conseguimos da frase anterior. Não conseguimos, muitas vezes, porque desistimos.

Porque desistimos me deixa curioso. Por que não buscamos alcançar o nosso potencial máximo, e, ao invés, desistimos no meio do caminho? Certamente a resposta para essa pergunta é muito complexa e vai depender do contexto de cada pessoa, mas acredito que a forma como o nosso mundo está se moldando vem piorando a nossa relação com os desafios. Nossa vida, de certa forma, ficou fácil e quebrar o conforto para buscar algo melhor nos faz pensar: por que sair deste sofá confortável?

Para as novas gerações eu acredito que este problema vai ser ainda mais difícil de ser resolvido. Em uma determinada proporção, a dor da realização de um sonho para eles vai ser maior que para gerações passadas. Todos nós ficamos muito acostumados as recompensas rápidas que nossos dispositivos eletrônicos nos dão diariamente. A Inteligência Artificial, ao contrário do que muitos pensam, já é pervasiva em nossas vidas nos ajudando com diversas tarefas que geram certo fardo para a gente. Isso vai escalar cada vez mais…

Esse conforto do sofá, que podem ser as nossas relações interpessoais, a segurança do trabalho atual, etc., nos faz ficar presos a situações que eventualmente nos criam muitas frustrações. Acaba que a nossa escolha final é: fico sofrendo minhas frustrações no conforto do sofá, ou vou sofrer as dificuldades e desafios de correr atrás dos meus sonhos? Eu escolho sempre o segundo, prefiro sofrer de pé tentando que sentado no conforto. E você?

Cachorros Pavlovianos

Ivan Pavlov foi um fisiologista Russo que é mais conhecido por suas contribuições à psicologia e à compreensão do comportamento animal. Ele é especialmente famoso por ter descoberto o reflexo condicionado, um processo pelo qual um estímulo inicialmente neutro se torna associado a um estímulo incondicionado e, eventualmente, começa a evocar uma resposta automática por si só. Pavlov realizou uma série de experimentos com cães, nos quais apresentava um estímulo condicionado (como um sino) antes de oferecer comida aos cães (estímulo incondicionado). Com o tempo, os cães passaram a salivar em resposta ao sino sozinho, mesmo quando não havia comida presente (resposta automática). Essa descoberta revolucionou a compreensão da psicologia comportamental, e a ideia de que os comportamentos podem ser aprendidos e modificados por meio de estímulos condicionados tornou-se uma pedra angular da área da Psicologia chamada de Análise do Comportamento.

Essa introdução escrita pelo ChatGPT com alguns pequenos ajustes feitos por mim dá o contexto para a provocação deste artigo, que somos todos cachorros Pavlovianos. Tivemos diversos de nossos comportamentos condicionados de forma que ao recebermos determinados estímulos acabamos por realizar tarefas ou atividades de forma automática. A mais clara e latente em nosso dia-a-dia hoje são as notificações em nossos celulares. Sempre que ouvimos, vemos e até sentimos a vibração de uma notificação em nossos celulares paramos o que estamos fazendo para irmos, como um bom cachorrinho, até eles salivando por um biscoito. Muitas vezes a salivação é a toa porque não vemos nada o que nos interessa nas notificações, gerando frustrações.

Mas ser um cachorro Pavloviano é apenas o início da nossa jornada nos diversos tipos de condicionamentos que somos submetidos nos dias de hoje. Deixa eu lhes contar de um experimento feitos com ratos, sim, você agora vai ser um rato. Esses ratos eram colocados com fome em uma caixa. Nessa caixa, inicialmente, havia uma pequena alavanca. Após explorar o ambiente, o rato pressiona a alavanca e eis que cai uma pequena quantidade de comida. Com um tempo, o rato aprende que ao apertar a alavanca, ele recebe comida. Mas o experimento não para aí, agora o rato com fome é colocado em uma caixa com duas alavancas. Uma delas, ao ser pressionada, entrega comida e a outra gera um choque elétrico no piso da caixa. Com um tempo o rato aprende qual alavanca que dá comida e qual a que gera o choque.

Até aqui, tudo bem, certo? Esse experimento, realizado pelo psicólogo Americano B.F. Skinner demonstra o processo de condicionamento do comportamento por reforço e punição. O experimento realizado em ratos, dentro da chamada caixa de Skinner, funciona para ratos e humanos. A descrição do comportamento do rato pode ser equivalente a nossa quando aprendemos a nos relacionar com certas pessoas, por exemplo. Com um tempo, sabemos que apertar certos botões em algumas pessoas geram alegria na gente. Da mesma forma, aprendemos que mexer com outros botões fazem com que as mesmas pessoas dêem choque. Logo, condicionamos o nosso comportamento, ou melhor, estas pessoas condicionam o nosso comportamento na presença delas.

Para finalizar, vamos deixar o papo mais interessante. Vamos imaginar que o nosso rato foi colocado numa caixa de Skinner com duas alavancas. Se ele apertar a alavanca 1, acende uma luz. Se ele apertar a alavanca 2, gera um choque. Mas se ele apertar a alavanca 1 e depois a 2, acende a luz, é liberado comida mas em seguida é dado um choque. Adivinhem o que vai acontecer com você, ratinho? Sim, você vai aprender a pressionar as alavanca 1 e depois a 2. Você não faz idéia do porque acende a luz, quer a comida. Vai ficar sim incomodado com o choque, mas depois de um tempo, vai realizar a sequencia tantas vezes que corre o risco de morrer pelo choque para receber a comida, sem saber para que diabo serve a luz.

Meus amigos, na década de 30, quando estes experimentos foram realizados, Skinner estava demonstrando o ambiente de trabalho da maior parte das pessoas hoje no mundo. Fomos condicionados desde muito tempo a pressionar diversas barras, não fazemos a mais louca idéia do porque algumas luzes se acendem, queremos a comida, mesmo que o choque nos incomode. Com um tempo, passamos a pressionar as barras tantas vezes seguidas para obter mais comida sem levar em conta que o choque pode nos matar (algumas vezes, sim, acaba matado).

A conclusão é óbvia: somos cachorros Pavlovianos, somos ratos Skinnerianos.

“Prometo olhar primeiro dentro …”

Faz algumas semanas eu tive a feliz oportunidade de participar de um casamento muito interessante. A noiva e o noivo eram de culturas super diferentes, com personalidades distintas. A dinâmica do casamento foi incrível, não havia Padre nem religiões envolvidas. Tudo foi ao redor dos noivos. Foram lidos textos belíssimos sobre a relação entre duas pessoas, valores que são a base para a construção de um alicerce sólido na relação entre casais. A história deles foi também recontada por um dos primos do noivo e todos os envolvidos puderam conhecê-los um pouquinho melhor.

Após a leitura desses textos, foram feitos os votos entre os noivos. Foram votos incríveis, lindos. Reflexões que fazem muito sentido, de respeito e amor entre um casal que aparentam ter uma alma iluminada. Mas de tudo o que foi lido e falado durante a cerimônia, algo me chamou muita atenção. Uma frase dita pela noiva ao noivo. Foi algo mais ou menos assim: “em nossas discussões, prometo olhar primeiro para dentro de mim”. Eu interpretei aquela frase como se ela estivesse propondo que em qualquer desavença entre o casal, ela iria buscar primeiro internamente se o erro não estava do lado dela.

Achei aquela frase, aquele voto, algo de uma grandeza sem tamanho. Em uma sociedade em que normalmente apontamos dedos uns para os outros buscando culpados por todas as situações em que nos encontramos nas diversas esferas de nossas vidas, ver alguém que se proponha a olhar primeiramente para dentro de si, avaliando seu comportamento antes de apontar culpados, é sem dúvida algo muito incomum. Eu mesmo vou me observar mais a este respeito para entender qual o meu comportamento padrão, por assim dizer.

Depois de ter presenciado falas tão belas e a proposição da noiva por olhar para si mesma antes discutir o comportamento dos outros, me dediquei a estudar um pouco mais sobre algumas teorias da personalidade para ter um mínimo de entendimento sobre as diferenças entre as pessoas quanto ao comportamento de normalmente apontar culpados. Vi na teoria de Carl Rogers alguns componentes que podem nos ajudar a entender melhor e, até mesmo, nos ajudar a refletir para entender se não podemos nos aproximar mais do comportamento da noiva.

Existem dois conceitos na teoria do Rogers que podem nos ajudar nessa discussão. Primeiro é o conceito de Autoatualização, que se caracteriza pela formação do Eu de cada um de nós diante das experiências de vida que vamos obtendo durante nossas jornadas. Esse conceito é muito forte porque estabelece que cada um de nós somos, em essência, diferentes, dado que é impossível que tenhamos experiências de vida absolutamente iguais uns aos outros. Logo, o Eu de cada um de nós é mutável e vai se adaptando de acordo com o nosso processo de envelhecimento.

O segundo é o conceito de Consciência. Para o Rogers, basicamente, a consciência nada mais é do que o processo de confrontamento da experiência que estamos vivenciando hoje com o nosso Eu construído (ou Autoatualizado). Isso significa que, dependendo do contexto em que estamos vivenciando uma experiência, podemos interpretá-la de formas diferentes de acordo com o Eu construído. Sei, é complicado, tive que ler isso várias vezes para ter uma interpretação. Então deixa eu dar um exemplo.

Vamos supor que você tenha vivido em dois ambientes. Sua casa, muito segura, onde sempre ouve diálogo e compreensão com as pessoas que vivem ali. E seus distintos ambientes de trabalho, sempre hostis onde você sempre ficou inseguro e nunca conseguiu discutir abertamente um assunto. Seu Eu foi Autoatualizando e sendo retroalimentado por estes dois contextos. Tendo sido formado nestes contextos você pode desenvolver dois comportamentos diferentes quando há uma situação de confrontamento.

No seu trabalho, neste tipo de situação, você vai sempre ficar na defensiva. Vai normalmente buscar se proteger e não vai se apresentar de forma aberta para discutir o problema. Vai, possivelmente, reagir apontando dedos, buscando culpados. Já em casa, você vai se abrir, ali você conhece as pessoas, sabe que está seguro e pode ter uma conversa franca, pode inclusive olhar para dentro e dizer: “tenho culpa, meu comportamento foi inadequado”.

Então é assim, se olharmos a fala da noiva sob o olhar do Carl Rogers, podemos inferir que ela foi criada em um ambiente seguro, onde teve a chance de se manifestar e ser escutada. Foi, possivelmente, muito compreendida durante sua vida toda. Isso explicaria sua tranquilidade em buscar primeiramente avaliar seu próprio comportamento. Mas, e nós? E nossos filhos? Qual será o contexto de vida que estamos proporcionando a Autoatualização do Eu deles?

“Tenho minhas porcelanas”

Faz mais de 20 anos eu me mudei de Belém para São Paulo. Alguns anos depois, um dos meus irmão também foi para outra cidade. Nesse período, perdemos o nosso Pai, nossa Mãe ficou viúva. Hoje ela segue vivendo em Belém com nosso irmão mais novo. Quis dar esse preambulo para que possam entender o contexto da história que vem a seguir.

Hoje minha Mãe me mandou uma mensagem dizendo que estava com muita saudade da gente e que queria falar conosco. Liguei para ela e na nossa conversa tentei entender melhor o que ela estava sentindo. Lá pelas tantas eu perguntei: “Por que você não vem morar aqui em São Paulo? Largue tudo aí, pegue o Tico (nosso irmão mais novo) e venha! Você não tem nada que lhe prenda aí!”. Ela me disse que já havia pensado nisso mas que não era tão simples sair e deixar tudo. Ela me disse: “Tenho minhas porcelanas”.

Depois que escutei isso a minha cabeça travou… “como é que é?”, pensei! Conversamos um bocado sobre essa sensação dela de estar presa as suas porcelanas e outras coisas mais. Resolvi então perguntar qual havia sido a última vez que ela tinha usado essas tais porcelanas. “Na sua primeira comunhão”, me disse ela. Eu tenho 46 anos, isso significa que ela usou as tais porcelanas pela última vez faz mais ou menos 30 anos…

Bom, conversamos muito sobre isso. Vamos seguir conversando e tentar chegar a uma conclusão na vinda dela aqui em Abril para a competição Nacional do Pedro. Falei isso tudo para refletir com vocês um pouco sobre essa coisa que temos de nos prender ao material, de nos prendermos de tal forma que deixamos de viver e de fazer coisas que queremos pelas tais “porcelanas” que cada um de nós carregamos, mesmo que não usadas a muito tempo.

Essa história com minha mãe me lembrou de muitas outras. De pessoas que carregam coisas inacabadas. O material sempre aparece. Por exemplo, conheço outra família que tem uma casa fechada que está literalmente apodrecendo com tudo dentro. A casa fechada deixa de gerar riqueza para essa família, riqueza essa que poderia ser transformada em um bem maior para outras pessoas necessitadas. Assim como acontece com a porcelana da minha mãe, o que se encontra na casa dessa família também não tem uso. Está lá fechado a tanto tempo que ninguém dá mais falta.

Assim como acontece na casa dessa família, também ocorre dentro dos nossos armários, dentro de nossas casas, etc… somos acumuladores de coisas que nos seguram, que nos impedem de viver o nosso potencial, nossa felicidade total! Minha cabeça começou a mudar em relação a isso na época da pandemia, quando li o livro Essencialismo do Greg McKeown.

Mas, se o material que guardamos sem sentido aparece, não ocorre o mesmo com o espiritual, com o emocional. Guardamos com a gente sentimentos e emoções que carregamos todos os dias, coisas que nos fazem mal sempre que pensamos nelas. Dentro da gente, também temos “porcelanas” empoeiradas que ficam nos remoendo e impedindo que nos mudemos para o lado das pessoas quem queremos conviver, das sensações boas que queremos aproveitar.

Esse exercício de viver com o essencial, do material até os sentimentos, é algo que tento exercitar diariamente. Faz três anos, quando mudei de trabalho, prometi a mim mesmo que nunca mais me apegaria à empresa, ao produto ou trabalho. Isso deu certo porque me permitiu focar no que era essencial para o meu sucesso profissional. Nesse caso, se tratava de focar nos objetivos, fazendo o que precisava ser feito e liberando meu tempo para coisas mais importantes em minha vida: saúde (física e emocional), família e amigos.

Tenho várias histórias de “porcelanas” empoeiradas em prateleiras que deixei de lado, são ilustrativas para algo importante que é refletir sobre o que queremos e o que nos segura: Eu preciso mesmo disso? Isso está me atrapalhando de fazer o que realmente quero? Eu preciso carregar esse sentimento comigo? Por que não deixo essa “porcelana” de lado e vou lá abraçar quem eu gosto?

Uma parte importante da ansiedade que sentimos em nosso dia a dia está nas “porcelanas” desnecessárias que carregamos com a gente!

Ladrão de almas…

Início de Janeiro de 2023, retomamos os treinos de Esgrima, Pedro e Eu. Estávamos todos bem relaxados depois de um largo período de férias. Jogamos algumas partidas iniciais e, na última partida, o Pedro entra em pista com outro aluno da academia. Os dois são grandes amigos dentro e fora da academia, mas quando estão em pista, as vezes as coisas não saem bem.

A partida era de 15 pontos, o jogo estava bem equilibrado. Após alguns toques, o oponente do Pedro começou a gritar comemorando os pontos que fazia. Aquele comportamento foi entrando na cabeça do Pedro, fazendo com que ele perdesse controle total do que fazia. Em um dos pontos, o Pedro atacou com força. Embora tivesse perdido o ponto, no final da pista, deu uma batida de ombro no adversário. A partida foi assim até o final, quando o Pedro perdeu. Frustrado, ele caiu no chão chorando a derrota e sentindo dores no pescoço.

Uma das coisas que mais gosto nos esportes, e aqui falo de Esgrima porque jogo com certa frequência, são os ensinamentos que eles nos trazem para a vida. A situação que o Pedro enfrentou em pista é muito, muito comum em nosso dia a dia. No trabalho quando estamos de frente a situações difíceis com clientes, parceiros ou até mesmo companheiros em nossas empresas. Com amigos e família quando temos discussões em função de idéias divergentes ou brincadeiras de mal gosto. Enfim, é comum que outras pessoas nos tirem do trilho, nos façam agir com nossos instintos mais primitivos. O esporte nos dá a possibilidade de nos prepararmos para essas situações.

Esses instintos são controlados pela parte primitiva do nosso cérebro, o sistema límbico. Dentro dele está uma parte pequena, do tamanho de uma noz, chamada amígdala. Em situações de estresse e descontrole, como a enfrentada pelo Pedro, ocorre o que os neuro-psicólogos chamam de sequestro emocional (amygdala hijack). Essa parte pequena do tamanho de uma noz toma o controle de tudo, inclusive da parte mais evoluída do nosso cérebro chamada neocortex, que é responsável pelos nossos comportamentos mais educados, por assim dizer.

O que o oponente do Pedro fez com ele certamente não foi função do conhecimento dele sobre como cérebro do Pedro funcionava. Ele provocou, ele entrou na cabeça do Pedro. Aqui um pequeno parêntese, nós aprendemos também um pouco disso também nos treinos de esgrima, de forma sutil. Nós aprendemos, como dito pelo David Goggins (um exemplo de resistência, não apenas fisicamente mas também mentalmente), a roubar almas (taking souls).

Como diz o ditado popular: pau que dá em Chico dá também em Francisco. O importante de conhecer e passar pelo processo de ter sua alma roubada é que adquirimos calo mental. Sim, calo, aquele mesmo que ganhamos quando usamos um sapato ruim que faz com que nosso pé se adapte e não sofra mais com o sapato. Ao desenvolver o calo mental, passamos a encarar as situações do nosso dia a dia de forma diferente. Passamos a entender como se comportar nessa situação, pegar nossa alma de volta e até conseguimos, às vezes, roubar a do oponente.

Não julgo o Pedro pelo seu comportamento explosivo no jogo. Eu mesmo jogando com o mesmo oponente já tive vontade de quebrar meu sabre na cabeça dele. Por isso, depois que chegamos em casa aproveitei para conversar com ele sobre o que aconteceu. A mensagem principal foi que o que acontece com ele deve ser escolha dele, não de outra pessoa. Ele não pode se comportar de uma determinada maneira porque outra pessoa escolheu que ele se comporte assim. Dentro da cabeça dele, manda ele, o controle é dele e ele precisa praticar esse controle todo o dia.

Nós estamos fazendo vários exercícios mentais para melhorar nosso auto-controle, eu e ele. Respiramos, caminhamos, enfim, tudo que nos ajuda a controlar as emoções. Mas aqui o importante é o que isso representa para você! Quando você tiver a sensação de que está perdendo o controle e se ferindo por causa do que outra pessoa está fazendo, pense se ela não está tentando roubar sua alma. Não deixe outros controlarem suas sensações! Lembre do Pedro, na sua cabeça, manda você!