Nunca é tarde para…

Essa é uma das maiores mentiras que nos é contada desde cedo e que segue sendo dita ao longo de nossas vidas. Uma verdadeira apologia a procrastinação. Ao sermos “ensinados” a ver a vida dessa forma, nos acomodamos, deixamos para resolver as melhorias que precisamos fazer no nosso comportamento quando for mais conveniente, se é que faremos alguma mudança.

Não entenda errado! Ficamos felizes em ver exemplos de pessoas que mudaram suas vidas no meio de uma situação complicada. Pessoas que começaram a fazer atividade física com o avançar da idade, pessoas que começaram a estudar mais tarde, etc… Nessas situações sempre dizemos: “antes tarde do que nunca” ou “nunca é tarde para…”. Aí é que está o erro! Deveríamos dizer: por que começou agora? Demorar para mudar deveria nos incomodar, não nos confortar.

Estamos trazendo essa discussão no formato da Pílula Vermelha porque vemos vários exemplos todos os dias de mudanças que demoraram muito para serem iniciadas. Pessoas que ficaram muito velhas ou debilitadas para mudar o estilo de vida e serem mais ativas, pessoas que demoraram muito para buscar ajuda quando problemas psicológicos começaram, pessoas que perderam a amizade de outras pessoas porque demoraram para se pôr em uma posição mais humilde e pedir desculpas (mesmo estando certas), etc.

A vida não espera, o tempo passa, passa muito rápido! Seria muito bom esquecer a confortável ideia de que nunca vai ser tarde para mudar, porque se demorar muito, sim, vai ser muito tarde! O que a crise da COVID nos mostrou em termos de prioridade para as nossas vidas já foi na maior parte esquecido. Cuidado com a nossa própria saúde já ficou para trás frente a toda a correria do nosso dia a dia.

Diante disso, vamos mudar o estilo reflexivo do artigo para um propositivo. Aqui três pequenos e humildes passos para um ponta pé inicial na mudança sem mais delongas:

Olhe para dentro: Faça uma pausa e tente se conhecer melhor. Busque em você os dois ou três pontos que estão lhe incomodando mais, que estão gerando sensações ruins de ansiedade ou desconforto. Duas ou três coisas que você diga: puxa, queria mudar isso…

Procure ajuda: Sempre que queremos mudar algo achamos que podemos fazer sozinhos. Não que seja impossível mudar sem a ajuda de ninguém, mas é muito mais fácil e durador quando temos apoio. Muitos de nós não valorizam profissionais como educadores físicos, nutricionistas, psicólogos, etc. Esses profissionais têm um papel fundamental na mudança.

Seja consistente: Um dos maiores erros quando queremos mudar é tentar fazer a mudança de uma só vez. Quer correr 10Km? Comece andando. Quer emagrecer 15Kg? Comece reduzindo uma fatia de pão. Começar a mudança aos poucos e ir obtendo os ganhos de forma cumulativa vai manter a motivação para seguir em frente com o processo.

Então diz o que você pensa depois de ter lido esse artigo… Vai seguir achando que não é tarde e empurrar a mudança para frente, ou começar um exercício de introspecção para entender o que é preciso mudar hoje? Se ainda não estiver convencido, aqui uma proposta: olhe ao seu redor, busque exemplos e veja se não vai encontrar muito mais exemplos de pessoas que estão atrasadas na mudança do que pessoas que já iniciaram o processo. Pense também sobre estes exemplos. Depois se pergunta: qual o grupo em que quero estar?

Saindo de si…

Sabe aquela sensação de: já acabou? Normalmente sentimos isso quando estamos fazendo coisas que gostamos muito. Ficamos tão inseridos na atividade que perdemos a consciência do tempo e de tudo que está ao nosso redor. Consciência, essa é a palavra-chave nesse artigo. E sobre isso que vamos conversar aqui.

Pare para pensar um pouco nas conversas que você tem com outras pessoas e tente ver em quantas dessas conversas as pessoas estão reclamando da vida. Tente pegar aquelas situações extremas em que elas dizem: queria sumir por um tempo! Vamos olhar estas situações nos próximos parágrafos.

As pessoas que se encontram em situações de estresse recorrente, que passam por momentos de pressão em suas vidas profissionais e pessoais podem, com certa frequência, se encontrar na situação de que gostaria de se afastar de tudo por um tempo como um mecanismo de defesa, de fuga do contexto em que ela se encontra. Estas pessoas pensam dessa forma porque estão muito conscientes do mundo que vivem. Estão atentas a tudo ao seu redor e em um estado de atenção que permita responder imediatamente a qualquer situação que represente um risco para sua segurança, pessoal ou profissional. A inserção nesse contexto por grandes períodos de tempo é que gera esse desejo de fuga.

Mas como resolver esse tipo de situação? Você pode estar se dizendo: não tenho como mudar de emprego ou de contexto familiar. Sim, a maioria de nós não pode mudar de tal sorte a se afastar em definitivo de tais situações estressantes. Mas existem alguns mecanismos que podemos lançar mão para nos ajudar a atenuar tal pressão. Uma das respostas para isso está no título do artigo: saindo de si.

Quando estudei sobre consciência, percebi que consciência é um estado mental proposital. Optamos por estar conscientes de várias coisas ao nosso redor. Existem várias engrenagens em nossos cérebros que ativam esse estado mental de consciência. Uma vez que ativamos esse estado, desligá-lo fica difícil. Difícil, mas longe de ser impossível  Algumas pessoas recorrem a certas drogas nessa busca. O uso do álcool, por exemplo, é uma ferramenta para desligar a consciência, pelo menos por um tempo. Mas aqui queremos falar de outras abordagens muito melhores e, certamente, mais saudáveis.

Em alguns artigos passados falamos de um psicólogo chamado Mihaly Csikszentmihalyi e de um negócio que ele chama de Flow. Aquela sensação que descrevemos no início do artigo é característico de um estado de Flow. Em Flow nós conseguimos desligar a nossa consciência, deixamos de perceber os estímulos ao nosso redor e esquecemos dos problemas porque ficamos imersos em uma determinada atividade. Existem várias formas para entrarmos em Flow: fazer uma atividade física prazeirosa; ler um livro ou assistir um filme interessante; conhecer e conversar com uma pessoa interessante; etc.

Então, da próxima vez que conhecer alguém que queira sumir por um tempo (isso se aplica a você também), converse com ele sobre a ideia de, ao invés de sumir, inserir atividades que permitam a ele entrar em Flow de forma recorrente. Sumir não vai resolver os problemas. Problemas são parte natural da nossa vida cotidiana, vamos precisar conviver com eles. Mas não precisamos pensar neles 24 x 7, podemos desligar nossas consciências duas, três, cinco vezes por semana. Podemos sair de si, re-energizar e voltar fortes para enfrentar os problemas de frente.

Sensações…

Hoje joguei meu primeiro Campeonato Brasileiro de Esgrima Veterano. Nesse campeonato eu procurei observar as sensações que experimentei antes, durante e depois do campeonato. Sendo o meu terceiro campeonato, queria entender como estas sensações afetam meu desempenho no esporte e, principalmente, na vida.

Bom, vamos lá, antes do jogo, especialmente na noite anterior, experimentei muito frio na barriga, aquele frio de ansiedade que é típico de uma situação desconfortável que estamos próximos a passar. Por conta desse nervosismo, demorei muito para dormir. Rodei de um lado para outro na cama por mais de 30 minutos. O sono foi leve, despertei várias vezes durante a noite. Acordei mais cedo que o esperado. Normalmente em situações de nervosismo eu não consigo comer, mas durante a manhã consegui tomar um bom café. Fui para o ginásio e comecei a aquecer mais cedo para tentar baixar o nervosismo. O aquecimento rolou super bem, coração chegou a 140 bpm sem problemas como em exercícios cotidianos aeróbicos.

Durante a prova foi interessante. No primeiro jogo o nervosismo estava muito alto, muita ansiedade e coração palpitando forte. Um pouco de tremedeira nas pernas e nas mãos. Notava que essa tremedeira atrapalhava meu jogo. Me sentia travado, sem que pudesse executar os movimentos da forma correta. Percebi claramente que perdi pontos por conta dessa instabilidade, o que me fez pensar mais na limitação e ficar ainda mais nervoso. Esse padrão se manteve nos dois primeiros jogos de grupo. No jogo eliminatório, meu primeiro tempo foi ainda mais nervoso. A sensação de ansiedade era muito forte. Alguns pontos eu sequer me lembro dos movimentos realizados. Ao sentar no intervalo, ouvi as instruções do Baldin. Algumas entraram na minha cabeça, mas acho que a maioria não. Comecei o segundo tempo mais lento, tentando observar melhor o jogo. Fui bem melhor. Os pontos foram saindo e fui me acalmando mais. Notei bem mais as jogadas e pude inclusive questionar o árbitro em alguns pontos. Parei em alguns momentos para respirar, isso me ajudou muito. No último ponto um movimento incorreto, finalmente sentia que o movimento era consciente. Um pouco tarde para obter consciência de tudo, fim de campeonato 😬

Após o fim um grande vazio. Nesse momento a amígdala deve ter reduzido a atividade e as glândulas responsáveis pela produção de noradrenalina e cortisol finalmente relaxaram. As conexões neurais possivelmente entraram em inibição, sistema simpático foi dando espaço ao parassimpático e o córtex frontal foi tomando controle de tudo. Ainda não conseguia relaxar, mas ia tentando entender um pouco melhor tudo que tinha acontecido. Aos poucos ia lembrando do que conseguia. De qualquer forma, a dopamina gerada pelos bons pontos que fiz no final do último jogo começava a esvaziar e parecia dar uma sensação de leve depressão. Já acabou? Sim, tudo muito intenso, mas muito produtivo. De novo me senti vivo, muito vivo. Com muita reflexão vou aprendendo e entendendo aos poucos as maravilhas desse esporte. Aos poucos vou conhecendo meu corpo melhor, como reajo as situações. Aos poucos vou tentando resolver os desafios que minha mente me coloca. E a cada experiência desse tipo, agradeço à Deus pela minha passagem aqui.

O saldo, além de me aprofundar no autoconhecimento, a qual considero uma das maiores ferramentas que temos para nos tornarmos melhores, foi ter conhecido pessoas novas. Pessoas incríveis, divertidas e interessantes. Espero ter feito novos amigos, amigos que completem a minha vida como os amigos da Baldin Esgrima.

Obrigado Pedro por ter me apresentado à Esgrima e ao Sabre como arma de jogo. Obrigado Thásia por sempre estar do meu lado e me aguentar nos meus momentos mais estressados! Amo vocês!