A vida que não controlamos e suas consequências: o loop da realidade

Temos o péssimo hábito de achar que podemos controlar tudo em nossas vidas. Fico tentando identificar de onde vem essa forma de encarar o nosso dia a dia. Talvez seja algo relacionado a nossa criação, a nossa educação. Somos ensinados a pensar que se estudamos, sempre tiramos notas boas; se praticamos, sempre fazemos melhor; se somos boas crianças, sempre ganharemos presentes; se somos bons, vamos para o céu  Desde cedo aprendemos uma certa relação de consequência positiva para as coisas “boas” que fazemos. Bom, isso está errado!

Ao crescermos vamos sentindo na pele que o que aprendemos estava totalmente errado. Que o que acontece com a gente não depende SÓ da gente. Fazer o que precisamos fazer para sermos melhores aumentam nossas chances de sucesso significativamente, mas não garantem que vamos ter sempre sucesso em tudo. Mesmo fazendo de tudo para ser os melhores, precisamos estar em paz com os nossos fracassos, com as nossas derrotas. Se não conseguirmos entender que não temos o controle de tudo ao nosso redor, corremos o risco de travar no que chamo de loop da realidade.

Meu filho me deu uma lição sobre isso na semana passada.  Ele participou do campeonato Sul-Americano de Esgrima na Bolívia. Ele não fez um bom campeonato, mas em duas partidas ele acabou perdendo porque os árbitros inverteram alguns pontos. Essa inversão de pontos disparou nele o loop da realidade. Basicamente, por ter perdido as partidas por erro dos árbitros ele travou na mente que seu campeonato estava acabado, que aquilo acabaria com o restante do torneio e que o colocaria em chaves mais difíceis. Após perder, passou a questionar se valia realmente a pena seguir treinando e jogando, que não merecia estar na seleção Brasileira, etc…

Passar por isso foi ótimo para ele porque finalmente pode aprender que ele não possui o controle de tudo na vida dele. Mesmo fazendo tudo certo, ele vai encontrar frustrações na vida pela ação de outra pessoa que tem o poder (naquele momento) de criar tal situação de derrota. Ele começou a entender isso. Mas Eu, que fiz questão de deixar claro para ele a situação e que o que ele estava experimentando é a mais pura realidade do nosso dia a dia, não aprendi…

No mesmo dia eu fiz uma prova. Tinha certeza absoluta de duas questões. Com o suporte da teoria descrita no livro, marquei as alternativas que, posteriormente descobri que estavam erradas. Sob a perspectiva do avaliador, eu errei as questões. Assim como aconteceu com o meu filho na competição, o avaliador da minha prova tinha o poder para determinar que o que fiz estava errado e não me deu a questão. Mesmo tendo conversado com o meu filho um pouco mais cedo sobre o mesmo problema eu também caí no loop da realidade naquele dia, junto com alguns amigos da turma.

O loop da realidade é, provavelmente, algo em que nos pegamos enfrentando todos os dias. Por melhor que sejamos, sempre vão ter situações fora do nosso controle. É importante termos a maturidade de aceitar que não controlamos todos os aspectos das nossas vidas. Deveríamos ser ensinados sobre isso desde cedo, nos faria pessoas melhores. Sou adepto da ideia de que precisamos sempre nos construir pessoas melhores pelo estudo e prática de tudo o que nos propomos a fazer. Vamos sempre conseguir coisas boas com estudo e prática, mas também precisamos ter MUITO claro que nem tudo vai dar certo. Isso significa que erramos, que devemos parar? Não, pelo contrário! Significa que a vida possui uma zona fora do nosso controle. Ter a maturidade para aceitar isso nos coloca em uma posição melhor, evita que caiamos no loop da realidade e nos faz levantar mais rapidamente para seguir avançando.

Ser grato por tudo, será mesmo?

Ultimamente eu tenho visto muita postagem de textos e vídeos curtos com essa ideia da gratidão, de ser sempre grato pelas coisas boas que acontecem em nossas vidas. As pessoas que colocam isso defendem que a gratidão nos traz mais felicidade. Eu não estou convencido disso e talvez você que está lendo esse artigo também não esteja. Vamos conversar um pouco sobre isso…

Nós temos um mecanismo em nosso cérebro que chamamos de percepção. Sendo muito objetivo em relação à percepção, basicamente notamos as coisas que estamos focando a nossa atenção. Existem vários estudos sobre isso e se trata de algo consolidado na Psicologia. Vocês podem conhecer mais sobre isso procurando sobre o experimento do Gorila Invisível. Esse experimento demonstra bem essa simplificação que acabei de colocar.

Bom, acontece que quando estamos focados em agradecer por tudo, deixamos de perceber as outras coisas ao nosso redor. É por esse mecanismo que a gratidão vai gerar boas sensações na gente, sensações estas que chamamos de felicidade. Mas ao impor esse foco na gratidão das coisas boas, deixamos de olhar para coisas igualmente importantes que nos fazem crescer. São situações duras da vida que despertam sensações ruins associadas à infelicidade, mas que nos servem de motor para melhorar. Ao focar na gratidão, de forma constante, criamos um movimento de “cegueira”, que me parece perigoso a longo prazo, porque não trabalha a causa raiz do problema.

Um parêntese, essa lógica da gratidão é a mesma usada por diversas religiões. A gratidão faz parte das ideias centrais de religiões como o Cristianismo. O interessante disso tudo é que provavelmente parte das pessoas que defendem a gratidão como forma de chegar à felicidade não são religiosas e até mesmo criticam de forma dura as religiões que usam da mesma argumentação.

OK, mas se não devo ser grato por tudo, o que devo fazer? Qual a causa raiz das minhas angústias? Infelizmente não há resposta simples para isso. Ser grato é o jeito simples e o que vai lhe deixar cedo no longo prazo. Entender a causa raiz dos problemas que geram sensações ruins passa por várias coisas. Uma destas coisas, e que acho bem interessante, é o que alguns Psicólogos chamam de Satisfaction Treadmill (Esteira da Satisfação). A analogia aqui é a seguinte: você vai na academia se exercitar na esteira. Começa caminhando e vai acelerando até estar correndo. Não importa a velocidade, você nunca sai do lugar.

Veja, estamos sempre na busca da satisfação com algo que vemos na frente, mas sempre que chegamos a esse ponto rapidamente ficamos insatisfeitos e buscamos mais. Se estamos sempre nessa busca ficar agradecendo resolve? Claro que não, o problema é a busca desenfreada por algo novo, sempre. A gente realmente precisa ficar nessa busca por algo novo, temos sempre que estar na esteira da satisfação? Olhe para si próprio e responda a essa pergunta. Não temos que agradecer, temos que estar em paz com o que conseguimos. Aproveitar as sensações boas do que já “tocamos”.  Especialmente das pessoas que nos cercam e momentos que vivemos. Carpe Diem!